sábado, 30 de setembro de 2023

 XIITAS E SUNITAS



As palavras têm o poder de, com o tempo, adquirirem novos significados. Quando ouvimos a palavra xiita, por exemplo, nos vem à mente a figura de pessoas extremistas e violentas. Mas você sabe o que originalmente significa xiita? As palavras xiita e sunita advém do islamismo, religião surgida na península arábica na segunda metade do século VII. O islamismo é uma religião monoteísta que prega a submissão aos preceitos de Alá.

Fundada por Maomé, o islamismo alterou a configuração religiosa do Oriente Médio, África e até Europa. Segundo a tradição, Maomé teria recebido revelações de Deus, em 610 tendo sido escolhido para ser o último profeta enviado à humanidade.

Após a tomada de Meca pelos seguidores de Maomé, em 630, o islamismo foi se espalhando pela península arábica, unificando os diversos povos, e dando a eles não só uma unidade religiosa, mas sobretudo uma unidade política, centralizada na figura de Maomé, que foi o líder político-religioso até sua morte, em 632. Após a morte de principal líder da nova religião, dois grupos passaram a lutar pelo direito de sucessão: os xiitas, que defendiam que apenas alguém ligado por laços familiares poderia suceder a Maomé; e os sunitas, que defendiam o direito de sucessão por eleição pelos membros do Islã.

No primeiro momento, a corrente xiita venceu. O sucessor de Maomé foi um membro de sua família. Seguiram-se outros três sucessores pertencentes ao círculo familiar do profeta até o ano de 661, quando os sunitas da família Omíada tomaram a liderança do islamismo, expandindo seu poder pela península ibérica.

O islamismo não se espalhou por toda Europa ocidental porque foi barrado em 732, por Carlos Martel, avô de Carlos Magno, na Batalha de Poitiers. Os xiitas, aqueles que defendiam a liderança do islamismo por alguém ligado à linhagem de Maomé, tentaram, por várias vezes, retomar o califado, mas foram subjugados pelos sunitas.

Após inúmeros desentendimentos, os dois grupos se confrontaram na Batalha de Karbala, em 680. Nessa batalha, membros da linhagem de Maomé foram mortos, o que causou o rompimento completo entre sunitas e xiitas. As diferenças entre xiitas e sunitas se agravaram com o passar do tempo. Longe do poder, os xiitas passaram agora a discordar sobre a escolha de seu imã, líder religioso, o que causou novas rupturas internas. Os xiitas se dividiram em várias correntes, sendo as mais importantes os duodécimos, os ismaelitas e os zayditas.

No mundo atual, são de tendência xiita os governos do Líbano, Síria, Iraque e Irã. O Irã, inclusive, merece um capitulo de destaque na ascensão xiita, pois a Revolução Iraniana, de 1979 fez o país sair da área de influência dos Estados Unidos para se tornar um grande antagonista da política e da cultura norte-americana, nomeando seu antigo aliado de “O Grande Satã”.

Apesar de os xiitas dominarem politicamente alguns países, os sunitas são a maioria entre os muçulmanos — mais de 80 por cento de toda a população islâmica pertencem a essa corrente. Os sunitas se consideram o ramo mais tradicional e ortodoxo do Islã.

Após o ataque às Torres Gêmeas, em 2001, o mundo passou a associar o terrorismo aos muçulmanos, especialmente aos xiitas, considerados extremistas e fundamentalistas religiosos, o que agravou ainda mais o antagonismo já existente entre o islamismo e a cultura ocidental, principalmente norte-americana.

 

Referências:

POLAZZO, Carmem Lícia. As múltiplas faces do Islã. Saeculum – Revista de História, n. 30, João Pessoa, jun. 2014.

LÊUS, Lucas Rezende et al. O Corredor Xiita no Oriente Médio e seus reflexos para a segurança internacional.

ASSISTA NO YOUTUBE: https://youtu.be/5MRtqDt05RI  

 

sábado, 23 de setembro de 2023

 OS 300 DE ESPARTA E SUA APROPRIAÇÃO PELA CULTURA POP



Por volta do século VI e V a.C., os persas começaram a ameaçar a Grécia continental, justamente quando a civilização persa vivia um processo de ampliação territorial graças à ação militar de vários de seus reis. Inicialmente, a relação entre gregos e persas foi marcada por uma relativa estabilidade. Contudo, a adoção de uma política de exploração deu início a uma série de conflitos. O confronto entre persas e gregos ocorreu no que se chamou Guerras Médicas, assim chamado por que os persas eram conhecidos como medos.

 

Entre 500 e 494 a.C., algumas cidades jônias, com o apoio militar dos gregos, resolveram se rebelar contra as imposições persas. Logo em seguida, Dario I, em represália, decidiu organizar tropas que invadiram a Grécia Continental. A primeira tentativa dos persas, ocorreu em 492 a.C., e foi frustrada por um forte temporal que atingiu parte dos navios persas. No entanto, em 490 a.C., os persas organizaram uma nova tentativa de invasão, mas acabaram sendo derrotados na chamada Batalha de Maratona.

 

Em 480, Xerxes, filho de Dario, mobilizou um enorme exército contra os gregos. Nessa nova invasão, o primeiro confronto entre persas e gregos ocorreu no desfiladeiro de Termópilas, onde um grupo de apenas 300 soldados espartanos, liderados pelo rei Leônidas, resistiu contra o poderoso exército persa. A Batalha de Termópilas durou três dias e ocorreu em agosto ou setembro de 480 a.C. O exército persa, que, segundo estimativas modernas seria composto por 300 000 homens, chegou à referida passagem no final de agosto ou início de setembro. Em um número bem inferior, os gregos detiveram o avanço persa durante sete dias no total (incluindo três de batalha). Durante dois dias repletos de embates, uma pequena força liderada por Leônidas bloqueou a única passagem que o imenso exército persa poderia usar para entrar na Grécia.

 

Escritores antigos e modernos têm utilizado a Batalha das Termópilas como um exemplo do poder que um exército patriótico pode exercer defendendo seu próprio solo com um pequeno grupo de combatentes. O comportamento dos defensores na batalha também é usado como um exemplo nas vantagens do treinamento, do equipamento e bom uso da terra como multiplicadores de força de um exército, tornando-se um símbolo de coragem contra as adversidades.

 

Essa batalha também acabou se tornando também objeto de apropriação da cultura pop, sendo vendida como filme e história em quadrinhos. No final da década de 1990, Frank Miller e Lynn Varley lançaram a graphic novel 300. Frank Miller foi um quadrinista muito influente na década de 1980, desenhando heróis da Marvel, e 300 obteve um enorme sucesso. Tanto que em 2007, o cineasta Zack Snider, diretor conhecido por seus filmes de super-heróis, como Watchmen (2009), Homem de Aço (2013), Batman vs Superman (2016) e Liga da Justiça (2021), resolveu adaptar os quadrinhos para a tela. E tanto a HQ quanto o filme são releituras fictícias da Batalha de Termópilas durante as Guerras Médicas. O próprio Frank Miller serviu como produtor executivo e consultor do filme.

 

O enredo do filme gira em torno do Rei Leônidas (Gerard Butler), que lidera 300 espartanos na batalha contra o "deus-rei" Xerxes I (Rodrigo Santoro) da Pérsia e o seu exército invasor com mais de 30 mil soldados. Os eventos são revelados como uma história contada por Dilos, o único dos 300 espartanos a sobreviver à batalha.

terça-feira, 12 de setembro de 2023

 

O MONOTEÍSMO NO EGITO ANTIGO

 


Apesar de sua natureza proeminentemente politeísta, o Egito antigo passou por um curto período dedicado ao monoteísmo.  No Novo Império, precisamente durante o governo de Amenhotep III, devido a disputas entre o faraó e os sacerdotes de Amon, cresceu a importância dada ao deus Aton, o disco solar.

Por volta de 1400 a.C., Amenhotep III realizadou algumas transformações religiosas em seu governo, dando maior espaço para Aton, uma divindade que já existia no panteão dos deuses egípcios, mas como um deus de segunda categoria. Com a morte de Amenhotep III, seu filho Amenhotep IV assume e leva adiante as transformações religiosas iniciadas por seu pai. Sua reforma religiosa é considerada o episódio religioso-político mais controverso da história do Egito antigo.

Amenhotep IV superou seu pai, elevando Aton a deus único, em detrimento das outras divindades egípcias, tornando-o o deus supremo e obrigando todo o Egito antigo a se tornar monoteísta. Amenhotep IV ampliou a importância de Aton a tal ponto que Amon teve sua hegemonia reduzida até ser totalmente omitido das doutrinas.

Aton, diferentemente das demais divindades egípcias, não tinha uma representação antropozoomórfica, sendo representado por um sol cujos raios terminavam em pequenas mãos. De fato, isso também constituía uma intensa alteração no que diz respeito às formas figurativas pelas quais as divindades eram retratadas no Egito antigo.

O “Hino a Aton” exprime a grandiosidade pela qual se buscava impor àquela sociedade: “És gracioso, grande, resplandecente e estás muito acima de todas as terras. [...] O mundo surgiu pela tua mão [...]”. De qualquer forma, Amenhotep IV promoveu um monoteísmo agressivo, diminuindo a distância entre a divindade e a família real, tornando-se quase semelhante ao seu próprio deus.

Amenhotep IV mudou a capital de seu reino de Tebas para a nova Akhetaton (“Horizonte de Aton”), que seria a cidade sagrada de Aton. Antes de mudar a capital, Amenhotep ("Amon está satisfeito") IV mudou seu próprio nome para Akhenaton ("o espírito atuante de Aton"), reforçando a negação a Amon por parte do rei e sua ênfase em Aton.

Entretanto, apesar de toda sua determinação em implantar o monoteísmo no Egito antigo, o povo reagiu de maneira negativa a essa nova forma de religião. Os egípcios antigos estavam acostumados aos contrastes entre a luz e a escuridão, bem como à luta entre o bem e o mal. A doutrina de Akhenaton negava a dualidade, e enfatizava o aspecto positivo, a luz. O mundo inferior, com seus demônios, não tinha lugar nos conceitos da nova religião.

E aparentemente, mesmo aqueles que seguiam Akhenaton não seguiam seus ensinamentos completamente. Escavações indicam que as pessoas, ao menos em particular, mantinham suas crenças tradicionais. Elas certamente sentiram a perda de seus deuses e de suas doutrinas, o que corroborou para o retorno das antigas práticas politeístas assim que Akhenaton deixou de existir.

 

Referências:

SALES, José das Candeias. As divindades egípcias. Uma chave para
a compreensão do Egito Antigo.
Lisboa: Estampa, 1999.

SILVERVAN, David. O divino e as divindades na antigo Egito. In: SHAFER, Byron (Org.). As religiões no Egito antigo: deuses, mitos e rituais domésticos. São Paulo: Nova Alexandria, 2002.

quarta-feira, 23 de agosto de 2023

 GOLPES DE ESTADO NO BRASIL


O Golpe de Estado é a destituição ilegal de um governo legalmente estabelecido, consistindo em uma ruptura institucional. Golpes de Estado foram muito utilizados na América Latina durante o século XX, inclusive no Brasil, levando a suspensão do Poder Legislativo, a prisão de opositores, a decretação de Estado de Sítio ou de Emergência e a elaboração de novas Cartas Constitucionais, entre outras ações.

 

O termo surgiu em 1639, na obra de Gabriel Naudé, mas foi John Keneth, em seu livro A Era da Incerteza, que enumerou as 3 condições essenciais para a aplicação de um Golpe de Estado: a existência de um governo impopular, a existência de um líder capaz de levantar as massas, e a existência da própria massa, disposta a morrer por esse líder.

 

Algumas pessoas podem incorrer no erro de confundir Golpe de Estado com Revolução, mas a diferença entre os dois é muito fácil de entender. Enquanto as revoluções são movimentos essencialmente originados e liderados pelo povo, os Golpes de Estado são orquestrados por grupos coesos, como por exemplo os militares, frequentemente envolvidos em movimentos dessa natureza, no Brasil e no mundo.

 

Como exemplos de revoluções nós podemos citar a Revolução Francesa e a Revolução Americana, ambas ocorridas na segunda metade do século XVIII. A primeira deu fim ao absolutismo monárquico na França e a última encerrou o domínio inglês sobre as 13 colônias. Observe que os dois eventos são exemplos de luta popular contra um sistema político limitante. Tanto na França como nos Estados Unidos, o povo se uniu em prol de uma ruptura do status quo vigente. Os Golpes de Estado também causam rupturas, mas dessa vez causadas por grupos específicos, de elite, em busca de determinados interesses políticos ou econômicos.

 

No Brasil, tivemos até o momento, três Golpes de Estado. Em todos eles houve participação de militares. Em 1889, oficias do Exército, influenciados por ideias positivistas, fizeram com que o marechal Deodoro da Fonseca derrubasse a monarquia e instituísse a República. Deodoro era amigo pessoal do imperador Dom Pedro II, mas temendo que outro militar tomasse a liderança do movimento, resolveu ser o artífice do primeiro Golpe de Estado registrado em nosso país.

 

Em 1930, militares descontentes com as oligarquias que dominavam a política brasileira resolveram tomar o poder, depois de serem derrotados em eleições diretas. Getúlio Vargas, oficial do Exército, liderou a tomada do poder, destituindo o presidente da época. Vargas permaneceu por 15 anos como Presidente da República e só deixou o cargo após grande pressão dos próprios militares.

 

Em 1964, os militares desconfiados da guinada à esquerda dada por João Goulart, e utilizando a desculpa do combate ao comunismo, cercaram o Rio de Janeiro, fazendo com que o Presidente fugisse para o Uruguai, de onde nunca mais retornou.

 

Os três casos expostos são exemplos de descontinuidade democrática e de ruptura com governos legalmente constituídos. Em 1889, o povo sequer sabia o que estava ocorrendo. Apenas a elite econômica, ressentida pelo fim da escravidão e desejosa de se vingar do imperador, tinha a noção do movimento. Nos casos ocorridos em 1930 e 1964, houve a centralização do poder nas mãos do Poder Executivo, com perseguições, prisões e mortes de qualquer um que se colocasse em oposição ao regime. Em 1964, em particular, a sociedade civil apoiou o Golpe de Estado. Anos depois, com o recrudescimento do governo, os mesmos grupos que o apoiaram se colocaram em oposição.

 

Atualmente, a nossa Constituição Federal de 1988 considera crime orquestrar, participar ou apoiar ações que levem a um Golpe de Estado em nosso país.

domingo, 23 de julho de 2023

 

O ANTICOMUNISMO NAS FORÇAS ARMADAS BRASILEIRAS



O anticomunismo existe desde o surgimento do comunismo, que se tornou uma ameaça para os líderes conservadores mundiais. Com o tempo, tornaram-se combatentes do comunismo os liberais, a Igreja Católica, os empresários e os militares.

Quanto aos militares, a sua participação na história do Brasil merece destaque, principalmente quando falamos sobre a República, inaugurada por eles, em nossa primeira experiência de Golpe de Estado, ainda em 1889. As Forças Armadas brasileiras acabaram se envolvendo não só em golpes, mas também intervenções repressivas e coercitivas, influenciando direta ou indiretamente nos rumos políticos de nosso país. Afinal, o número de militares que chegaram à Presidência da República chama atenção.

Nesse contexto, o discurso anticomunista exercido pelas Forças Armadas brasileiras precisa ser investigado. O Exército, em especial, não consiste em um grupo homogêneo, existindo divergências filosóficas e políticas em seu âmago, tanto no oficialato quanto nos postos inferiores. Entretanto, sendo uma organização estritamente hierarquizada, os grupos que assumem o seu controle tendem a impor sua ideologia à instituição, fazendo do discurso anticomunista fator de união entre os militares, sempre em prol da vigilância contra o “perigo vermelho”.

Interessante observar que até 1917, época da Revolução Russa, o comunismo não era motivo de preocupação para as elites conservadoras brasileiras. Somente com a criação do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e o Movimento Tenentista, ambos na década de 1920, a classe política conservadora dominante passou a se preocupar com a possibilidade de perda de poder.

Na década de 1930, o anticomunismo surgiu como uma das principais bandeiras das Forças Armadas brasileiras. Foi nesse período que houve a ascensão da figura de Luís Carlos Prestes (ex-militar), bem como da Aliança Nacional Libertadora (ANL), difundindo ideias comunistas para a população.

Entre 1935 a 1937 surgiu a primeira onda anticomunista militar no Brasil, com a deflagração da Intentona Comunista, movimento que surgiu dentro do seio militar, que teve ajuda da Internacional Comunista, e que levou a rebeliões em vários quartéis. A Intentona serviu de pretexto para a radicalização do governo Vargas contra o perigo comunista, levando à prisão jornalistas, intelectuais e militares de esquerda.

Nos meses seguintes, o governo decretou Estado de Sítio, expulsou os militares de esquerda envolvidos, acusando-os de traição à pátria e traição às Forças Armadas. Foi a partir desse momento que o Exército, em especial, elege o comunismo como principal inimigo.

Mas esse embate ideológico não foi exclusividade do Brasil. Nesse período, segunda metade da década de 1930, houve um fortalecimento de regimes autoritários, tanto de esquerda como de direita em todo o globo, somado a uma descrença com a democracia que vinha desde o fim da Primeira Guerra Mundial, culminando com a ascensão do Fascismo e do Nazismo na Europa.

A Intentona Comunista não foi, certamente, a primeira mobilização de militares de esquerda no Brasil. Antes disso, em 1922, o Movimento Tenentista já havia se posicionado contra a corrupção da República Oligárquica. Jovens oficiais do Exército se colocaram contra o governo, tomaram o Forte de Copacabana e acabaram mortos. Em 1924, houve nova ruptura dentro do oficialato do Exército, gerando a Coluna Prestes. Mas foi a Intentona que deu origem ao chamado discurso anticomunista nas Forças Armadas brasileiras.

A segunda onda anticomunista que tivemos ocorreu na década de 1960, com a repulsa à ascensão de João Goulart à Presidência da República por parte dos militares. Esse movimento resultou em mais um Golpe de Estado, tirando o comando do país do setor civil e colocando-o nas mãos dos generais do Exército.

Mais recentemente tivemos mais uma onda anticomunista, encabeçada pelos evangélicos, empresários e conservadores que levaram Jair Messias Bolsonaro, outro ex-militar, ao posto de presidente do Brasil.

 

 

Referências:

FERREIRA, José Roberto Martins. Os Novos Bárbaros: Análise do Discurso Anticomunista do Exército Brasileiro. São Paulo, 1986.

MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Em guarda contra o “perigo vermelho”: O anticomunismo no Brasil (1917-1964). São Paulo: Perspectiva, 2002.


terça-feira, 20 de junho de 2023

 

O MOVIMENTO MODERNISTA NO BRASIL


O movimento modernista foi a tentativa de artistas brasileiros imprimirem temáticas, sentimentos e valores nacionais à arte aqui produzida. A Semana de Arte Moderna foi o maior evento artístico modernista que tivemos em nosso país. Realizado em 1922, os modernistas queriam mostrar ao mundo a forma tropical de realizar a arte, fugindo dos dogmas europeus.

A Semana de Arte Moderna apresentou-se como a primeira manifestação coletiva pública na história cultural brasileira a favor de um espírito novo e moderno em oposição à cultura e à arte de teor conservador, predominantes no país desde o século XIX. Além disso, o evento foi um fenômeno caracteristicamente urbano, conectado ao crescimento de São Paulo na década de 1920, à industrialização, à migração maciça de estrangeiros e à urbanização.

O evento aconteceu no Teatro Municipal de São Paulo, entre 13 e 18 de fevereiro de 1922, e serviu para comemorar o centenário da independência do Brasil. A Semana tornou-se referência cultural no País, definindo sua adesão a novas estéticas artísticas. É um marco na História brasileira, não só do ponto de vista artístico, mas também de vista histórico, político e cultural, uma vez que novas tendências de arte e comportamento foram adotadas a partir dos profundos questionamentos lançados por seus idealizadores.

O evento foi dividido em dias temáticos, ou seja, cada dia da Semana abordou um gênero artístico:  no dia 13, o foco foi pintura e escultura; no dia 15, poesia e literatura; e, por fim, no dia 17, a música.

A principal função da Semana de Are Moderna de 1922 para a história da arte brasileira foi romper o conservadorismo vigente no cenário cultural da época. Não havia um conceito que unisse os artistas, nem um programa estético definido. A intenção era simplesmente destruir o status quo vigente.

Na época, boa parte da mídia reagiu de forma conservadora ao Movimento, referindo-se aos vanguardistas como "subversores da arte”. Monteiro Lobato foi ferrenho opositor dos modernistas. Publicou um artigo no jornal O Estado de S. Paulo que sacudiu a sociedade e a crítica. Com o título de “Paranoia ou mistificação?”, o artigo criticava ferozmente a exposição de Anita Malfatti, apesar de reconhecer seu talento. Ao longo do texto, Lobato afirma que as formas distorcidas e abstratas representadas nas obras modernistas seriam fruto de “cérebros transtornados por psicoses” e defendia a arte tradicional da época, dizendo que “todas as artes são regidas por princípios imutáveis”.

Atualmente, os estudiosos tendem a considerar o período de 1922 a 1930 como a fase em que se evidencia um compromisso primeiro dos artistas com a renovação estética, beneficiada pelo contato estreito com as vanguardas europeias – sobretudo com o cubismo, o futurismo e o surrealismo. Tal esforço de redefinição da linguagem artística se articulou a um forte interesse pelas questões nacionais, que ganhou acento destacado a partir da década de 1930, quando os ideais de 1922 se difundiram e se estabeleceram.

As ideias modernistas foram predominantemente divulgadas por intermédio de revistas que traziam em suas publicações teorias sobre a arte moderna. A principal dessas revistas foi a Klaxon, que surgiu ainda em 1922. Após a Semana de Arte Moderna de 1922, vários movimentos artísticos surgiram tais como o Movimento Pau-Brasil e o movimento Antropofágico. Os movimentos de Arte Moderna que se seguiram à Semana de Arte Moderna queriam reconstruir a cultura brasileira sobre a base de temas nacionalistas, valorizando as origens do Brasil. Os artistas acreditavam que criando uma arte que tivesse legitimamente uma “alma” brasileira, eliminariam o sentimento de que o brasileiro era um eterno colonizado, dependente de valores ditados pelos estrangeiros.

Referências:

100 anos da Semana de Arte Moderna de 1922. Revista Hoje é dia D, n. 32, fev. 2022.

LOBATO, Monteiro. Paranoia ou mistificação? O Estado de São Paulo, dez. 1917.

NASCIMENTO, Evandro. A Semana de Arte Moderna de 1922 e o modernismo brasileiro. Gragoatá, n. 39, 2015.


domingo, 7 de maio de 2023

 

O PAPEL DOS QUADRINHOS NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL




A Segunda Guerra Mundial foi o maior conflito bélico da história da humanidade, envolvendo praticamente todas as nações do globo. De uma lado estavam os países do Eixo (Alemanha, Itália e Japão), do outro os Aliados (Inglaterra, Estados Unidos e União Soviética). O conflito se encerrou em 1945, com a invasão de Berlim pelo Exército Vermelho e a destruição de Hiroshima e Nagasaki com o lançamento de duas bombas atômicas (Little Man e Fat Boy).

O conflito, iniciado no final da década de 1930, só caminhou para o seu término com a entrada dos Estados Unidos, em 1941, após ser surpreendido por um ataque do Japão à base naval de Pearl Harbor. Esse evento mudou a divisão das forças e fez com que a opinião pública norte-americana se engajasse a favor de sua participação na guerra. A cultura de massa, representada pelo cinema e pelos quadrinhos, teve papel fundamental nesse engajamento.

Segundo McCloud (1995), quadrinhos são imagens pictóricas colocadas deliberadamente em sequência com objetivo de transmitir alguma informação ou produzir alguma narrativa para quem os lê. Voltados principalmente para o público infantil, as HQs (Histórias em Quadrinhos), ou simplesmente Quadrinhos, são hoje um veículo consumido por homens e mulheres de várias faixas etárias e classes sociais, em vários formatos, mostrando o alcance dessa modalidade de literatura.

Imaginar as HQs como uma forma de literatura inferior é, no mínimo, incorreto. Devemos pensá-las não só como arte, mas também como fonte histórica. Tal expressão artística funcionou como meio bastante eficaz de propaganda ideológica antes, durante e depois da Segunda Guerra Mundial, não somente nos Estados Unidos, mas também em seu oponente, o Japão. Cada um com suas peculiaridades.

As HQs fazem parte da produção cultural de cada país e, dessa forma, serve como instrumento de análise da sociedade que as produziu, mostrando-nos sua vida cotidiana, seus costumes, sentimentos e ideologias presentes em sua época. Um acontecimento marcante, como a Segunda Guerra Mundial, que deixou cicatrizes visíveis até hoje, encontra nas HQs um veículo de grande simbolismo para que possamos compreender a mentalidade vigente naqueles dias e, dessa forma, fazermos com que seus acontecimentos não sejam esquecidos (não é esse o objetivo da História?).

Durante a Segunda Guerra Mundial, as HQs, assim como o cinema, concorreram para mobilizar a opinião pública a apoiar o governo, tanto ideologicamente, como financeiramente, contra a ameaça nazista, personificada na figura de Adolf Hitler. As HQs buscavam unir os leitores, inspirando-os a se alistar e, dessa forma participar diretamente do conflito, ou a adquirir os bônus de guerra – títulos da dívida pública – que serviam para financiar os gastos do governo no conflito.

Mas não era apena a opinião pública que servia como alvo das HQs durante a Segunda Guerra Mundial. Os próprios soldados no front recebiam HQs de super-heróis com o objetivo de se inspirarem nas figuras desses seres míticos durante as batalhas. E tanto do lado norte-americano quanto do lado japonês as HQs tiveram papel relevante de propaganda ideológica.

Ainda antes do ingresso dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial, em 1938, dois artistas judeus, Jerry Siegel e Joe Shuster criaram o Super-Homem, e em 1941, Joe Simon e Jack Kirby criaram aquele que seria o maior símbolo de resistência da democracia norte-americana contra a tirania, o Capitão América. Esses dois super-heróis se mostraram bastante eficientes quanto aos objetivos anteriormente citados.

Tanto o Super-Homem como o Capitão América representavam os ideais patrióticos norte-americanos tanto por meio de suas ações como por meio do simbolismo de seus uniformes, cópias veladas da bandeira dos Estados Unidos. Esse subterfúgio foi utilizado também na criação da super-heroína Mulher Maravilha. Essa iconografia representava uma tentativa de incentivo ao patriotismo do público leitor, que ao consumir tais HQs se identificavam com as ideias mostradas nas aventuras, podendo apoiar as tropas da melhor maneira possível, adquirindo mais bônus de guerra, ou mesmo se alistando.

Inicialmente, o inimigo a ser derrotado não foi a Alemanha, mas o Japão. Obviamente, a opinião pública estava ensandecida com o ataque surpresa dos japoneses sobre Pearl Harbor, e havia a necessidade de uma contraofensiva, tanto nos campos de batalha como no imaginário popular. Com isso, os japoneses passaram a ser retratados cada vez mais com feições inumanas, monstruosas. A edição 58 de Super-Homem, de março de 1943, trazia em sua capa a chamada “Superman says: you can slap a jap” (Super-homem diz: você pode esbofetear um japa), mostrando o grau de xenofobia que a população oriental – não só japoneses, mas também chineses – foi submetida em território norte-americano. Prova disso é a instituição da Ordem de Exclusão Civil, assinada em 1942, que propunha que todos os cidadãos de ascendência japonesa na costa do Pacífico deveriam se reportar a centros militares. A edição 23 de Capitão América, lançada em março de 1943, trazia o super-herói dando um soco em um militar japonês enquanto proferia a frase “You started it! Now we’ll finished it!” (Vocês começaram! Agora nós vamos acabar com isso!). Dessa forma, os japoneses se tornaram os inimigos número um a serem combatidos nas HQs, deixando para trás os nazistas alemães e os fascistas italianos.

Do outro lado do globo, no Japão, as publicações estavam totalmente voltadas para a propaganda militar, em uma clara tentativa de angariar apoio da população ao conflito. Os norte-americanos eram retratados como demônios a serem combatidos. Obras que retratavam robôs destruindo cidades norte-americanas também foram publicadas. Além desse tipo de narrativa, histórias que mostravam a importância do trabalho nas fábricas com o intuito de ajudar o país foram incentivadas. Artistas que se negavam a se alinhar ao governo japonês eram presos, acusados de serem antipatriotas. Os artistas que se alinhavam ao governo tinham que produzir obras que ajudassem a levantar o otimismo da população japonesa, obras que retratassem o inimigo como vilões a serem combatidos, ou obras em inglês para serem jogadas contra as linhas inimigas. Essas últimas buscavam desmoralizar os soldados norte-americanos e ingleses, contando histórias de esposas que traíam seus maridos, enquanto eles estavam na frente de batalha.

Com as explosões das bombas atômicas de Hiroshima e Nagasaki, e a posterior rendição do Japão, a produção de mangás foi interrompida pela falta de matéria prima e pela censura imposta pelos Estados Unidos. Anos depois, surgiram HQs de temática antibélica. Uma das principais obras foi o mangá Gen pés descalços, escrito por Keiji Nazakawa, sobrevivente de Hiroshima, testemunha ocular da atrocidade cometida pelo uso de armas nucleares, que conta como sua família foi dizimada.

 

Referências:

MCCLOUD, Scott. Desvendando os Quadrinhos. São Paulo: Makron Books, 1995.

NEUMANN, Clare Laurelin Nunes. Propaganda Ideológica Em Quadrinhos Na II Guerra Mundial: Uma Análise Pela Hermenêutica De Profundidade. Trabalho de Conclusão de Curso de Graduação em Relações Públicas. Goiânia: UFG, 2018.

SUCHMACHER, Renan. A representação da Segunda Guerra Mundial em alguns quadrinhos japoneses de guerra e sua importância para o meio. Trabalho de Conclusão de Curso de Graduação em Comunicação Social. Rio de Janeiro: UFRJ, 2015.

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quarta-feira, 12 de abril de 2023

 A RELIGIÃO NO EGITO ANTIGO 


O Egito antigo é uma grande fonte de mistério e desperta muita curiosidade no mundo ocidental, principalmente quando falamos sobre sua religião, povoada por criaturas exóticas. Importante lembrar que o que, atualmente, chamamos de mitologia, era para os egípcios da antiguidade, religião.

Pesquisas arqueológicas têm mostrado que a religião do Egito antigo surgiu ainda antes da escrita, ou seja, antes de 3500 a.C., ainda no período pré-dinástico. No princípio, as divindades eram amórficas, sendo relacionadas a fenômenos da natureza, como raios e trovões. O Sol e água, com o tempo, acabaram ganhando personificação divina, ao contrário do deserto, apesar de sua importância no contexto local.

Com o tempo, os deuses egípcios passaram a ser representados por figuras de animais, e, posteriormente, por figuras que mesclavam características físicas de animais e humanos, chamados de antropozoomórficos. Outro detalhe interessante é que as divindades, mesmo tendo a forma de animais, eram representadas realizando atividades humanas, como podemos observar na Paleta de Narmer, datada de por volta de 3200 a.C.

Tais deuses também tinham comportamentos, sentimentos e desejos humanos. Eles bebiam, tinham variações de humor e se relacionavam amorosamente entre si. Mas não havia maniqueísmo, diferente da religião desenvolvida na Fenícia. Havia uma certa dualidade provocada pelas suas personalidades multifacetadas.

Se pudermos sintetizar a religião egípcia em duas principais características, com certeza afirmaríamos que ela era politeísta e se baseava na crença da vida após a morte. O panteão de deuses egípcios é enorme, mas um de seus principais representantes é, sem dúvida, Osíris. Filho de Geb e Nut, Osíris teve como irmãos Seth, Neftis e Isis, que também se tornou sua esposa - algo que acontecia na família real, o casamento entre irmãos.

Osíris e Seth sempre foram antagônicos, um dominando a região fértil e o outro reinando sobre a região árida. O fato é que Seth sempre invejou seu irmão, que acabou caindo em uma de suas armadilhas, acabando assassinado. Sua esposa, Isis, encontrou seu corpo nos pântanos, mas Seth arranjou um jeito de roubar o corpo e esquartejá-lo, espalhando suas partes por todo Egito. Isis, com a ajuda de Anúbis, realizou vários encantamentos, ressuscitando Osíris por um tempo suficiente para que ele pudesse fecundá-la. Dessa concepção nasceu Hórus, que ao se tornar adulto, derrotou seu tio, recuperando o trono do Egito. 

A religião do Egito antigo é rica em narrativas místicas. O mito de Osíris é só um exemplo das maravilhosas histórias que povoam a mitologia egípcia.

Referências:

FERRAZ, Marcelo Gonçalves. Deuses do Egito: Uma perspectiva cinematográfica sobre a mitologia egípcia. p. 171-176 Disponível em https://www.academia.edu/37575108/Pr%C3%B3ximos_Orientes

SANTOS, Poliane Vasconi dos. Religião e sociedade no Egito antigo: uma leitura do mito de Ísis e Osíris na obra de Plutarco (I d.C.) / Dissertação de Mestrado – Faculdade de Ciências e Letras de Assis – Universidade Estadual Paulista: Assis, 2003.

SILVERMAN, David. O divino e as divindades no Egito antigo. In: SHAFER, Byron (org.). As religiões no Egito antigo. São Paulo: Nova Alexandria, 2002. p. 21-107.


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sábado, 4 de março de 2023

O que é História?


O QUE É HISTÓRIA?




O conceito de História pode ser diferente para cada um de nós, assim como é diferente cada história individual. O que faz de nós uma singularidade é o acúmulo de experiências, influências e leituras de mundo de cada um. Portanto, responder o que é História difere de pessoa para pessoa, pois cada um representa uma história diferente, e é a soma das histórias individuais que permitirá a formação de uma história social e coletiva.

São nossos anseios e desejos que nos impelem, que nos lançam para a frente, objetivando uma vida em sociedade cada vez melhor e mais justa. E é essa construção coletiva e social que irá construir hoje a história que será lida no futuro. Dessa forma fica fácil nos entendermos como sujeitos históricos, construtores e participantes da história de nossa cidade e de nosso país.

Talvez mais difícil do que compreender o que seja História é entender para o quê ela serve. Marc Bloch escreveu Apologia da História justamente para tentar responder a essa dúvida, originada pelo seu filho, no início do século passado. No mundo atual, essa pergunta se torna mais pertinente. O mundo digital no qual vivemos parece querer tornar nossa memória dispensável. Qual o objetivo em estudarmos História se temos todos os fatos, dados, nomes, datas e eventos a um clique do botão? O que veio para facilitar também acabou se tornando uma ameaça. Se temos tudo o que precisamos saber sobre os caminhos tomados pela humanidade, por que estudar História?

A historiadora norte-americana Barbara Tuchman já trouxe esse dilema, pois se a história fosse um banco de dados ela poderia ser prevista por algum programa de computador no qual inseriríamos os dados do passado para antevermos os eventos futuros. Sendo assim, não haveria a necessidade de termos historiadores. Bastaria termos técnicos de informática.

É óbvio que a história não é um banco de dados, um baú onde guardamos os fatos relevantes da humanidade e de onde retiramos o que queremos na hora que nos for conveniente. Da mesma forma, a história não é um conjunto de eventos soltos, sem conexão. A história é composta por ações humanas que resultaram em reações posteriores. Em outras palavras, a tomada da Bastilha não foi algo que aconteceu na manhã de 14 de julho de 1789, mas o estopim de vários eventos que já tinham ocorrido bem antes, e que culminaram nesse evento. E esse é apenas um dos vários exemplos que podemos citar. As mudanças e rupturas históricas são de médio ou longo prazo, nuca são eventos isolados e abruptos.

Mas o que talvez seja mais importante frisarmos, dentro de um contexto no qual possamos apontar a importância do estudo da história e de seu papel em nossas vidas, é a necessidade que temos de mantermos vivos os ensinamentos pelos quais a humanidade passou, para que não sejamos vítimas de nossos próprios erros.

Saber considerar as nossas conquistas sociais como marcos que não podem ser perdidos faz com que consideremos a importância do conhecimento histórico, valorizando o que nossos antepassados fizeram, para que pudéssemos aqui chegar, e nos incentivando a caminharmos em direção a um mundo mais justo e menos desigual, que será habitado por nossos descendentes, que olharão o passado e lembrarão das lutas que travamos hoje.

Referências:

BOSCHI, Caio César. Por que estudar História? São Paulo: Ática, 2007

TUCHMAN, Barbara. A prática da História. São Paulo: José Olympio, 1995.


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sexta-feira, 3 de janeiro de 2020


A BATALHA DE AGINCOURT E O TRIUNFO DE HENRIQUE V



Monteiro, Martins e Agostinho (2015) fazem uma empolgante revisão literária sobre a Batalha de Agincourt de 1415. Como não poderia deixar de ser, os autores chamam a atenção para a obra de Shakespeare, Henrique V, que imortalizou o monarca inglês responsável por essa importante vitória das forças inglesas sobre os franceses no início do século XV. Para os autores, tanto ingleses quanto franceses tentaram escrever a história ocorrida em Agincourt de acordo com suas convicções, nas quais podemos encontrar similaridades, bem como discrepâncias.
Entre as fontes de época, os autores chamam a atenção para a Gesta Henrici Quinti, datada por cerca de 1417, de autoria de um dos clérigos da campanha inglesa. Da mesma forma, destacam La Chronique d’ Enguerran de Monstrelet, de Jean Waurin e de Le Fèvre, a partir de relatos do capitão do conde de Saint-Paul. Esses relatos são donos de grande importância para o entendimento da Batalha de Agincourt por terem servido como testemunhas oculares do embate entre franceses e ingleses.
Enquanto a querela entre França e Inglaterra se estendia desde o século XI, a situação política de ambos os reinos, no início do século XV, era bastante turbulenta. O regente francês, Carlos VI, envolvido com sérios problemas de saúde, tinha o seu trono cobiçado por membros da realeza francesa, enquanto na Inglaterra, Henrique V tinha por obrigação apagar a pecha de usurpador, agregando o apoio da nobreza. A melhor forma de resolver os problemas? Declarar guerra, lógico.
No dia 24 de julho de 1415, Henrique V redigiu seu testamento, ofereceu esmolas, encomendou missas e pediu ajuda a Deus para dizimar os franceses e ser aclamado por seu povo. Em 11 de agosto daquele ano, a armada inglesa levantou âncora de Southampton e partiu para Harfleur, cidade francesa que tinha seu lado sul voltado para o rio Sena. Henrique V calculava tomar Harfleur rapidamente. Entretanto, a cidade só capitulou no dia 23 de setembro, o que provocou o consumo maior do que o previsto de mantimentos trazidos pela armada inglesa. Além disso, uma terrível epidemia de disenteria havia aniquilado um considerável número de combatentes ingleses. Ou seja, a fome, as batalhas e a disenteria eram obstáculos que haviam surgido contra o plano do dirigente inglês.
Henrique V e seus homens partiram de Harfleur no dia 9 de outubro e só se depararam com as forças francesas no dia 24 daquele mês, véspera do dia de São Crispim, santo francês, nas proximidades de Agincourt. O exército inglês contava, estima-se, com 9 000 homens. Estavam cansados de lutar para tomar Harfleur, bem como pela caminhada de 400 km que haviam realizado entre Harfleur e Agincourt. Além da fome e da disenteria. O exército francês tinha, segundo relatos, no mínimo, 12 000 homens, fortemente armados de infantaria e cavalaria.
Quando o dia de São Crispim raiou os dois exércitos se colocaram em posição de combate, mas não sem antes realizarem missas para serem abençoados pela suprema bondade de Deus, ou para encomendarem as almas de seus adversários ou as suas próprias. Era claro, naquele momento, para ambos os lados, que a superioridade numérica do exército francês servia como premonição do que se desenharia no campo de batalha.
Entretanto, nesses momentos em que a História se transmuta em algo mítico, não aconteceu como previsto. Os arqueiros ingleses, escondidos nos bosques, forçaram a cavalaria francesa a voltar, indo de encontro aos arqueiros que vinham em seguida, anulando o poder ofensivo desses últimos. Esclareçamos que o campo de batalha onde se realizou o embate entre franceses e ingleses era um charco lamacento limitado pelos flancos por bosques, adquirindo formato de funil, o que favoreceu os ingleses em detrimento dos franceses. O imenso número de inimigos favoreceu a atuação dos arqueiros ingleses, que disparavam nuvens de flechas sobre as hostes inimigas. Calcula-se que poderia chegar a 70 000 flechas por minuto. O exército francês, sem ter para onde fugir, foi dizimado. Henrique V ordenou que não fizessem prisioneiros, temeroso que esses pudessem se reorganizar e mudar o destino da batalha em prol do reino da França.
Na manhã do dia 26 de outubro, Henrique V e seu exército passaram por cima dos cadáveres estendidos no campo de batalha, indo em direção a Calais, onde chegou somente no dia 29. Retornou a Londres em 11 de novembro, tendo sido recebido triunfantemente.
Com a vitória inconteste, Henrique V conseguiu a legitimidade que tanto procurava, além do apoio do parlamento e da nobreza. Outras investidas foram realizadas até que em 1420 os regentes da França e Inglaterra assinaram o Tratado de Troyes, no qual tornava Henrique V sucessor de Carlos VI, acumulando, dessa forma, as coroas de França e Inglaterra. O destino do reino francês estava determinado, não fosse o surgimento de outra figura emblemática e misteriosa: Joana d’Arc.

Referências:

CURRY, Anne. A Guerra dos Cem Anos. Barcelona: Osprey, 2010.

MONTEIRO, João Gouveia. Guerra e poder na Europa medieval. Coimbra: Universidade de Coimbra, 2015.



domingo, 21 de abril de 2019



O ADVENTO DO NORDESTE NA CONSTRUÇÃO DE UMA IDENTIDADE NACIONAL


A dicotomia entre sertão e litoral vem antes da chegada dos portugueses em terras brasileiras. Desde o século XIV, os portugueses já se referiam ao “sertão” como localidades dentro do seu próprio território, porém distantes de Lisboa. Aliás, a grafia poderia ser tanto “sertão” como “certão”, palavra derivada de desertão.

No Brasil colônia, “sertão” passou a se referir a tudo que não fosse o litoral. Ou seja, as terras localizadas no interior do continente, normalmente referidas como morada dos “pretos da terra”, selvagens e bárbaros. Os malditos antropófagos que se deliciaram com a carne suculenta do clérigo Sardinha.

Com a chegada da industrialização, movendo o centro econômico das províncias do Norte para o Sul do país, surgiu a necessidade de criar uma identidade nacional apoiada na modernidade, tendo a civilização europeia como espelho. Afinal, o século XIX foi palco das controversas teorias da Antropologia Evolutiva, que tinham Morgan, Tylor e Fraser como a santíssima trindade do eurocentrismo. O que não fosse europeu era considerado selvagem. Sobrou para o Norte a pecha de região atrasada. O Sul, lar dos descendentes europeus, que vieram substituir a mão de obra escrava no finalzinho do século XIX, era o locus da intelectualidade antenada com a vanguarda europeia. Fruto desse pensamento surgiria em 1922, com a Semana de Arte de Moderna.

A dicotomia litoral X sertão estava mais viva do que nunca. O sertão agora era o Norte, lugar do atraso, da lentidão e do carro de boi. Gilberto Freyre and friends, para não ficarem atrás, lançam o Manifesto Regionalista, em 1926, e utilizam dos conceitos pejorativos sobre o Norte rural para evocar as características da verdadeira brasilidade. A dicotomia se transforma, dessa forma, em Sudeste X Nordeste.
E a fila anda...

Para ler mais:

JANAINA AMADO. Região, Sertão, Nação.
CLAUDIA VASCONCELOS.  O sertão na construção da brasilidade.