A HISTÓRIA DO TEMPO PRESENTE
Algo
inadmissível no século XIX, a História hoje se dedica ao estudo do Tempo Presente.
Dentro desse recorte a Segunda Guerra Mundial, considerada o marco inicial dos
estudos sobre o Tempo Presente[1], serviu como
ponto divisório. No Brasil, e em outros países da América Latina, a História do
Tempo Presente se dedica ao estudo das ditaduras militares, tendo como principais
fontes os relatos das vítimas.
Frequentemente
confundida com a História contemporânea – mesmo sendo campos distintos – a História
do Tempo Presente só pode surgir após as releituras produzidas pela Escola dos Annales.
No século XIX,
houve a necessidade de se transformar a História em ciência. A profissionalização da história e dos
historiadores exigia uma disciplina mais rígida, que afastasse os amadores. Essa
afirmação dos historiadores profissionais colocou como condição indispensável
para se fazer uma história científica determinados pressupostos: a visão
retrospectiva, a lisura das informações, o documento escrito, autêntico e sua
análise intensiva. O documento e sua crítica eram assim essenciais para
distinguir a história científica da história literária, os profissionais
historiadores dos ensaístas, literatos, contistas e amadores.[2]
A separação entre passado e presente e
as competências eruditas exigidas para trabalhar com os períodos recuados
garantiram praticamente o monopólio do saber histórico aos especialistas. Além
disso, os historiadores recrutados pelas universidades no século XIX eram
especializados na Antiguidade e na Idade Média, e não tinham, obviamente, o
Tempo Presente como campo de pesquisa. Pretendia-se, dessa forma, impor
critérios rígidos que permitissem separar os verdadeiros historiadores dos
amadores. O desprezo dos historiadores universitários pela história recente
explica também o porquê da desqualificação dos testemunhos diretos.[3]
Esse campo dos estudos históricos acabou se transformando em monopólio dos chamados
historiadores amadores (jornalistas, sociólogos, entre outros).
Ademais,
avolumavam-se obras desses profissionais não-historiadores, que as apresentavam
como História, apoderando-se do ramo de trabalho do historiador e, por que não
dizer, até mesmo obscurecendo o papel destes frente ao meio social.
A partir dos
anos 1960, muitas dessas obras ganharam o mercado editorial de maneira
expressiva[4], o que
estimulou os demais jornalistas a produzir em demasia, portando-se como “donos
da História”, causando celeuma no meio acadêmico.
Percebemos
isso no Brasil com o sucesso estrondoso de obras como 1808, de Laurentino Gomes, que por
não ser historiador é relegado por uma academia invejosa e medíocre.
Seguindo esse raciocínio, a delimitação
de espaço de atuação e do campo de trabalho, objetivava o desligamento com o
popularesco, o folclórico, o corriqueiro e o amador. A luta pelo reconhecimento
da disciplina histórica exigia naquele momento um rompimento entre passado e
presente, erudito e popular, profissional e amador, literatura e ciência. Com
tal rompimento, o desprezo e a desqualificação dos testemunhos diretos, pelas
fontes orais foi inevitável, ficando quase que exclusivamente nas mãos dos
historiadores amadores já que o período recente, acreditavam eles, não exigia
uma farta cultura clássica, nem o controle dos procedimentos eruditos do método
histórico.
Uma das
principais peculiaridades da História do Tempo Presente é a pressão dos contemporâneos, a possibilidade desse conhecimento histórico
ser confrontado pelo testemunho dos que viveram os fenômenos que busca narrar ou explicar. Pois, uma das
maiores características da História do Tempo Presente é a existência de
testemunhas, o que serve para delimitar suas balizas móveis[5], uma vez que
o Tempo Presente está sempre em mudança.
[1] FIORUCCI,
Rodolfo. Considerações acerca da História do Tempo Presente. Espaço Acadêmico, ano XI, n. 125, out.
2011. p. 111.
[2] SANTOS,
Jean Mac Cole Tavares. Atualidade da história do tempo presente. Revista Historiar, ano I, n. 1, 2009. p.
9.
[3] DELGADO,
Lucilia de Almeida Neves; FERREIRA, Marieta de Moraes. História do tempo
presente e ensino de História. Revista
História Hoje, v. 2, nº 4, 2013. p. 22.
[4] FIORUCCI,
Op. Cit., p. 113.
[5] DELGADO, Op. Cit.