A FORMAÇÃO DA FAMÍLIA NA HISTÓRIA
Tratar da formação da família na história, obriga-nos, à princípio, a tentar definir seu conceito. Tal fato
nos leva a descobrir uma miríade de significados, tanto no campo social, como
antropológico, e até mesmo jurídico.
A família já serviu, inclusive, de
assunto do materialismo histórico, quando Friedrich Engels publicou seu
trabalho, sob o título de A origem da
família, da propriedade privada e do Estado, em 1884.
Engels baseou seu estudo no tratado
antropológico de Lewis Morgan, A
sociedade antiga (1877), que procurava tecer o desenvolvimento social dos
grupamentos humanos, o qual foi classificado em estágios de selvageria,
barbárie e civilização.
Segundo Morgan, as famílias surgiram de forma
endógena, formando laços entre irmãos, sendo chamada de família consanguínea,
posteriormente entre primos, sendo chamada de família punaluana (ou panaluana),
até que, por fim, essas uniões fossem formadas de forma exógena, ou seja, por
elementos de grupos distintos, sendo chamada de família sindiásmica.
O termo “família”, propriamente dito, só
viria surgir na antiga Roma, derivada de famulus,
que designava os escravos que trabalhavam de forma legalizada na agricultura
familiar (CUNHA, 2010), logo após surgindo a expressão família natural, dentro campo do direito romano.
Com a expansão e hegemonia da Igreja
Católica Apostólica Romana, houve a transformação do casamento em única forma
de criação da família.
A família seria então criada pelo
casamento cristão entre duas pessoas de sexos diferentes, unidas através de ato
solene e consumado pela relação carnal entre os nubentes.
Em nosso país, colonizado por Portugal e
evangelizado sob os preceitos da Igreja Católica, o casamento era legalizado
pela cerimônia religiosa, mantendo-se, segundo a lei, a forma patriarcal, com
pleno domínio do homem.
Somente com a promulgação da
Constituição Federal de 1988, é reconhecida a família como união estável entre
homem e mulher, igualando-os na sociedade conjugal, eliminando-se as diferenças
de direito.
Entretanto, o mundo contemporâneo não
nos permite manter o conceito de família de forma tão estática, visto que a
sociedade já percebe outros modos de constituição familiar, inclusive entre
pessoas de mesmo sexo, amparadas pela lei.
Tema de inúmeras pesquisas e trabalhos
acadêmicos, a família continua suscitando debates e erigindo conceitos.
Para Fonseca (2005), família significa
coisas diferentes e seu significado depende da categoria social, mostrando-nos
a diferença de percepção de significado do conceito em diferentes estratos
sociais, e a forma de interação e formação de “redes de ajuda”, presentes nas
camadas menos favorecidas, que tendem a expandir seus limites de área doméstica,
fazendo parte de seu núcleo não só por seus vínculos consanguíneos, mas também
de afeto.
Fonseca chama a isso de dinâmicas e
relações familiares, onde define o laço familiar como uma relação marcada pela
identificação estreita e duradoura entre
determinadas pessoas que reconhecem
entre elas certos direitos e obrigações mútuos.
Da mesma forma, Carvalho (2005) trata
das relações dos indivíduos dentro de seus grupos e redes sociais, e nos mostra
a importância do fator sexual como força motriz para a união matrimonial de
atores no mundo animal, levando-nos de volta ao conceito balizado pela Igreja
Católica Apostólica Romana, como forma de contração de matrimônio e formação de
família.
Além disso, dentro de vários grupos de
primatas, segundo a autora, observa-se a formação de redes de ajuda mútua,
favorecendo determinados indivíduos, no qual ele coloca como exemplos da função
do vínculo interindividual na organização e na dinâmica de grupos sociais.
Tais redes de ajuda mútua, ou
simplesmente “redes de ajuda” elencadas por Fonseca (2005), favorecem a
extensão do conceito de família além de seus laços consanguíneos, incluindo-se
aí ex-sogros, compadres e até amigos, segundo a autora.
Nos últimos anos tem sido propalado a
“crise da família”. Goldani (1993) nos relata que, apesar de recentes pesquisas
apontarem a família como a instituição de maior confiabilidade, há uma
percepção “negativa” sobre a mesma, oriunda de degradação das condições de
vida, violência, menores abandonados, crimes passionais, e estimulada pela
mídia televisiva que trata de mostrar o amplo leque de estilos alternativos de
vida, levando a família para o limiar de mudanças importantes, mas não
necessariamente a seu desaparecimento.
Segundo a autora, o conceito histórico
de família, defendido pela Igreja e Estado, em sua forma patriarcal, monogâmica
e indissolúvel, encontra-se em conflito com o modelo de família classe média
urbana, comum em um país de evidente crescimento da população das cidades.
Além disso, fica evidente o descaso do
Estado, que em não realizar seu suporte a cidadãos de idade avançada, devido ao
alargamento da expectativa de vida que vivemos hoje, deixa nas mãos da família
o auxílio a seus membros, em um visível retrocesso dos serviços públicos.
O conceito de família tem sido alterado
no decorrer do tempo, bem como sua composição. A forma de união consanguínea,
presente nas uniões pretéritas, foi substituída por acordos de interesses,
abençoado pela Igreja, e mantendo-se o estilo patriarcal.
Apenas em fins do século passado a
mulher teve seu papel equiparado ao do homem, mesmo tendo sido observado um
crescente número de famílias lideradas por mulheres (mães e avós) nas últimas
décadas.
As mudanças constantes e irrefreáveis
que sempre passaram as sociedades, permitem-nos antever as mudanças que serão
absorvidas pela família, que já não ostenta a mesma imagem de tempos passados.
A união homoafetiva já é uma realidade
em nossa sociedade.
Além disso, o nosso país passou, nas
últimas décadas, por uma intensa transformação social, onde a maioria de sua
população vive em centros urbanos, ao contrário do que ocorria anteriormente,
com a maioria da população habitando áreas rurais.
Resta-nos, como futuros educadores,
tentarmos acompanhar o curso da História e entendermos que não há receita para
definir os membros de uma rede familiar, facilitando a convivência e o
acolhimento, na tentativa de estímulo e reforço das redes de ajuda tratadas.
O próprio conceito de família é largo,
amplo e, por vezes, contraditório.
Além disso, extrapolando a esfera
profissional, é dever de todos, a cobrança de ações sociais de proteção à
família por parte do poder público, em especial das menos assistidas, pois como
bem elencado na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, a família é
elemento fundamental da sociedade.
Referências
bibliográficas:
CARVALHO,
A. M. A. Em busca da natureza do
vínculo: uma reflexão psicoetológica sobre grupos familiares e redes sociais.
In: J.C.Petrini e V.R.Cavalcanti (orgs). Família, Sociedade e
Subjetividades: uma perspectiva multidisciplinar. Petrópolis, RJ: Vozes,
2005. p. 183-194.
CUNHA,
Matheus Antonio da. O conceito de
família e sua evolução histórica. In: Portal Jurídico Investidura, Florianópolis/SC, 27 Set. 2010.
FONSECA, Claúdia. Concepções de família e práticas de intervenção:uma
contribuição antropológica. In: Saúde e Sociedade. v.14, n.2, p.50-59,
maio-ago 2005.
GOLDANI, Ana Maria. As famílias no Brasil contemporâneo e o mito da
desestruturaçao. 1993.
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