domingo, 24 de dezembro de 2017


A HISTÓRIA DO TEMPO PRESENTE

 


Algo inadmissível no século XIX, a História hoje se dedica ao estudo do Tempo Presente. Dentro desse recorte a Segunda Guerra Mundial, considerada o marco inicial dos estudos sobre o Tempo Presente[1], serviu como ponto divisório. No Brasil, e em outros países da América Latina, a História do Tempo Presente se dedica ao estudo das ditaduras militares, tendo como principais fontes os relatos das vítimas.

Frequentemente confundida com a História contemporânea – mesmo sendo campos distintos – a História do Tempo Presente só pode surgir após as releituras produzidas pela Escola dos Annales.

No século XIX, houve a necessidade de se transformar a História em ciência. A profissionalização da história e dos historiadores exigia uma disciplina mais rígida, que afastasse os amadores. Essa afirmação dos historiadores profissionais colocou como condição indispensável para se fazer uma história científica determinados pressupostos: a visão retrospectiva, a lisura das informações, o documento escrito, autêntico e sua análise intensiva. O documento e sua crítica eram assim essenciais para distinguir a história científica da história literária, os profissionais historiadores dos ensaístas, literatos, contistas e amadores.[2]

A separação entre passado e presente e as competências eruditas exigidas para trabalhar com os períodos recuados garantiram praticamente o monopólio do saber histórico aos especialistas. Além disso, os historiadores recrutados pelas universidades no século XIX eram especializados na Antiguidade e na Idade Média, e não tinham, obviamente, o Tempo Presente como campo de pesquisa. Pretendia-se, dessa forma, impor critérios rígidos que permitissem separar os verdadeiros historiadores dos amadores. O desprezo dos historiadores universitários pela história recente explica também o porquê da desqualificação dos testemunhos diretos.[3] Esse campo dos estudos históricos acabou se transformando em monopólio dos chamados historiadores amadores (jornalistas, sociólogos, entre outros).

Ademais, avolumavam-se obras desses profissionais não-historiadores, que as apresentavam como História, apoderando-se do ramo de trabalho do historiador e, por que não dizer, até mesmo obscurecendo o papel destes frente ao meio social.
A partir dos anos 1960, muitas dessas obras ganharam o mercado editorial de maneira expressiva[4], o que estimulou os demais jornalistas a produzir em demasia, portando-se como “donos da História”, causando celeuma no meio acadêmico.
Percebemos isso no Brasil com o sucesso estrondoso de obras como 1808, de Laurentino Gomes, que por não ser historiador é relegado por uma academia invejosa e medíocre.

Seguindo esse raciocínio, a delimitação de espaço de atuação e do campo de trabalho, objetivava o desligamento com o popularesco, o folclórico, o corriqueiro e o amador. A luta pelo reconhecimento da disciplina histórica exigia naquele momento um rompimento entre passado e presente, erudito e popular, profissional e amador, literatura e ciência. Com tal rompimento, o desprezo e a desqualificação dos testemunhos diretos, pelas fontes orais foi inevitável, ficando quase que exclusivamente nas mãos dos historiadores amadores já que o período recente, acreditavam eles, não exigia uma farta cultura clássica, nem o controle dos procedimentos eruditos do método histórico.

Uma das principais peculiaridades da História do Tempo Presente é a pressão dos contemporâneos, a possibilidade desse conhecimento histórico ser confrontado pelo testemunho dos que viveram os fenômenos que busca narrar ou explicar. Pois, uma das maiores características da História do Tempo Presente é a existência de testemunhas, o que serve para delimitar suas balizas móveis[5], uma vez que o Tempo Presente está sempre em mudança.


[1] FIORUCCI, Rodolfo. Considerações acerca da História do Tempo Presente. Espaço Acadêmico, ano XI, n. 125, out. 2011. p. 111.
[2] SANTOS, Jean Mac Cole Tavares. Atualidade da história do tempo presente. Revista Historiar, ano I, n. 1, 2009. p. 9.
[3] DELGADO, Lucilia de Almeida Neves; FERREIRA, Marieta de Moraes. História do tempo presente e ensino de História. Revista História Hoje, v. 2, nº 4, 2013. p. 22.
[4] FIORUCCI, Op. Cit., p. 113.
[5] DELGADO, Op. Cit.

terça-feira, 19 de dezembro de 2017


REPRESENTAÇÕES FÍLMICAS SOBRE JOANA D’ARC:
A HISTÓRIA DE ACORDO COM FLEMING E BESSON
(comunicação apresentada no IV Encontro de História Antiga e Medieval de Pernambuco)

Marcelo FERRAZ


INTRODUÇÃO

Até as primeiras décadas do século XX, consideravam-se como fontes apenas os documentos oriundos do Estado. Marc Ferro, em sua obra Cinema e História[1], lista, inclusive, a hierarquia dentro das fontes. No topo da lista, encontravam-se  os Arquivos de Estado, seguidos pelos documentos do Judiciário e do Legislativo, Jornais e Biografias. Após o advento dos Annales, e posteriormente na década de1970, com o trabalho pioneiro de Marc Ferro, e mais recentemente com os estudos da Nova História, as obras cinematográficas foram promovidas à fontes historiográficas.[2]
Giovanni Alves, em sua obra, Cinema e trabalho[3], classifica o cinema como a arte mais completa do século XX, por aglutinar outras expressões artísticas como a música, a dança e a literatura. Entretanto, é necessário que respeitemos a natureza ficcional do cinema. Muitos filmes falarão mais sobre a época em que foram produzidos do que sobre a época que procuram retratar.
Dentro do nosso assunto, Joana d’Arc tem sido tema de diversas obras cinematográficas, explorada desde os primórdios do cinema.[4]
Na virada do século XIX para o século XX, Georges Méliès escreveu, produziu, dirigiu e atuou em Jeanne d'Arc (1900), filme francês mudo, produzido em preto e branco, com apenas 19 minutos de duração. Em 1928, o dinamarquês Carl Theodor Dreyer realizou La passion de Jeanne d’Arc, com roteiro baseado nos documentos históricos do julgamento da francesa. Em 1948, Victor Fleming lança Joan of Arc, baseada em uma peça de grande sucesso na Broadway, com Ingrid Bergman como protagonista. Em 1962,  o cineasta francês Robert Bresson lançou Procès de Jeanne d'Arc, retomando a temática do julgamento da francesa, como o fez Carl Theodor Dreyer, em 1928. E finalmente, em 1999, Luc Besson lança Joan of Arc..
Sobre as diversas versões fílmicas que tiveram como tema principal a imagem da heroína francesa, o crítico de cinema Inácio Araújo, em artigo para o jornal Folha de São Paulo, faz um interessante paralelo entre as mesmas:

Dreyer fez a sua [versão] na era muda extraindo tudo da expressividade de sua atriz, Falconetti. [...]. Robert Bresson fez sua versão contra a de Dreyer [...], retirando de Joana toda expressividade. [...]. A versão de Victor Fleming é pouco feliz, talvez por ter no centro uma estrela como a atriz Ingrid Bergman. Já a de Luc Besson corresponde, tristemente, eu diria, aos dias atuais. Temos uma Joana d'Arc em cena, mas poderia ser também Bruce Lee. [...] sua religião é a porrada [...] (ARAÚJO, 2006, p. 6).[5] 

Com estas palavras, Araújo consegue sintetizar as diferenças encontradas nas diferentes versões sobre a vida e morte de Joana d’Arc levadas às telas do cinema. Entretanto, além das disparidades, muitas características em comum se sobressaem nas obras cinematográficas apontadas. Como produtos de um determinado tempo, os filmes devem ser entendidos como tal, levando-se em consideração o seu contexto de produção e o seu discurso implícito.
Dentre estas cinco obras, resolvemos traçar um comparativo histórico entre as películas lançadas em 1948 (Victor Fleming) e 1999 (Luc Besson).

JOANA D’ARC SEGUNDO FLEMING E BESSON

A obra de Victor Fleming, lançada em 1948, foi produzida no período pós-guerra, no momento em que se reconstruía a Europa, devastada pela Segunda Guerra Mundial. Nesta obra, a religiosidade da personagem principal é um dos pontos mais fortes observados em sua caracterização. A fotografia criada para o filme faz com que associemos a imagem de Joana d’Arc à imagem da Virgem Maria. Ingrid Bergman conduz sua interpretação criando uma personagem virginal e pueril em suas falas, seus gestos e, principalmente, seu olhar.
O roteiro escrito para o filme traz muitos pontos em comum com o relato de Régine Pernoud[6], que por sua vez foi escrito com base na documentação original do processo ao qual levou Joana d’Arc à fogueira.
A película de Luc Besson, cineasta francês, lançada na época do aniversário dos 210 anos da Revolução Francesa, mostra-nos uma Joana d’Arc mais incisiva, colérica e, por vezes, insana. A atuação da atriz croata Milla Jovovich conseguiu impor à Joana d’Arc de Besson uma certa aura de insanidade e belicosidade até então não vista, em se tratando da heroína francesa.
Entretanto, tal disparidade entre as duas narrativas são fruto de seu lugar social. As duas cenas que tratam da morte de Joana d’Arc definem as diferenças entre as abordagens fílmicas.
No filme de Fleming, em seus momentos finais (2:23:56), um representante da Igreja diz: “Vá, filha de Deus, filha da França. Vá!” Tal discurso tenta mostrar uma ruptura dentro da própria Igreja, onde uma facção condena, deliberadamente, Joana d’Arc, e outra a reconhece como inocente e enviada de Deus. Joana (Ingrid Bergman), já devidamente acorrentada e sendo consumida pelas chamas, diz candidamente: “Doce Deus, esteve sempre comigo. Esteja comigo agora!” Em suas palavras finais, Joana repete: “Jesus! Jesus! Jesus!” Tal acontecimento vem corroborar o relato de Pernoud (1996, p. 156), que afirma que em seus últimos momentos de vida Joana “não parava de clamar pelo nome de Jesus”. A cena final fica por conta do enquadramento de uma cruz cristã e da imagem do céu, onde pode ser vista uma luz que penetra por entre nuvens escuras, iluminando o mundo. Configurando seu discurso, Fleming nos mostra sua mensagem, tornando sua Joana d’Arc uma santa, uma enviada do divino ao povo francês.
Besson nos mostra o contrário. Sua cena final (2:31:48) é impressionante e reveladora. Para Besson, a Igreja é, antes de salvadora, assassina. A cruz cristã surge por trás das chamas que consomem o corpo da inquieta Joana d’Arc. Enquanto a Joana de Fleming morre passivamente entre as chamas, em uma tentativa de transformá-la em santa, a Joana de Besson morre debatendo-se, tentando a todo custo sobreviver enquanto é devorada pelo fogo, como um animal no abatedouro, prestes a ser sacrificado. Joana não é santa, mas humana, agindo como qualquer outra pessoa que estivesse sendo consumida pelo calor das chamas. Aqui não há Deus salvador, mas há uma Igreja que se refestela com o crime de um julgamento falso, que serve apenas a interesses particulares, onde os poderosos dizem quem deve ir para a fogueira. A Joana d’Arc de Luc Besson é insana, violenta e humana.

CONCLUSÃO

As obras cinematográficas permitem uma infinidade de interpretações e uma figura tão retratada como Joana d’Arc faz com que essa exuberância de análises se multiplique. Além disso, o cinema permite que sejamos inseridos no contexto espaço-tempo ao qual assistimos. Por algumas horas somos levados aos campos de batalha da Guerra dos Cem Anos, seguimos Joana d’Arc em seus embates e assistimos ao seu julgamento e morte.
Nas obras aqui comparadas, tivemos a oportunidade de examiná-las de acordo com a época em que foram realizadas. Para Fleming, no final dos anos 1940, a imagem da mulher, submissa e frágil, resulta em uma narrativa sobre Joana d’Arc caracterizada pela passividade e devoção. Diferentemente, a heroína de Besson, materializada em fins dos anos 1990, apresenta-se como uma mulher independente, ativa e belicosa. Tudo isso torna a temática sobre as representações fílmicas de Joana d’Arc extremamente atraente para aqueles que se dedicam à História, principalmente à História Medieval.

REFERÊNCIAS CINEMATOGRÁFICAS

A PAIXÃO de Joana d’Arc. Título original: La Passion de Jeanne d'Arc. Direção: Carl Theodor Dryer. França: Société Générale des Films, 1928. 82 min.

GIOVANNA d’Arco al rogo. Direção: Roberto Rossellini. Itália: Produzioni Cinematografiche Associate, 1954. 76 min.

JOANA D’Arc. Título original: Joan of Arc. Direção: Victor Flemming. Produção: Walter Wanger. Estados Unidos: Sierra Pictures, 1948. 145 min.

JOAN D’Arc de Luc Besson. Título original: Jeanne d’Arc. Direção: Luc Besson. Produção: Patrice Ledoux. França: Gaumont, 1999. 158 min.

JEANNE d'Arc. Direção: George Méliès. Produção: George Méliès. França: Star Film Company, 1899. 19 min.

O PROCESSO de Joana d’Arc. Título original: Procès de Jeanne d'Arc. Direção: Robert Bresson. Produção: Agnès Delahaie. França: 1962. 65 min.






[1] FERRO, Marc. Cinema e História. São paulo: Paz e Terra, 2010. p. 28.
[2] SANTIAGO JÚNIOR, Francisco das Chagas Fernandes. Cinema e historiografia: trajetória de um objeto historiográfico (1971-2010). História da historiografia, Ouro Preto, n. 8, abr. 2012, P. 152.
[3] ALVES, Giovanni. Trabalho e cinema: o mundo do trabalho através do cinema. Londrina: Praxis, 2006. p. 286.
[4] BUENO, Rodrigo Poreli Moura. A Cultura Medieval sob o Ângulo das Imagens Cinematográficas. XXVII Simpósio Nacional de História ANPUH, 22-26 jul. 2013. p. 3.

[5] ARAÚJO, Inácio. Luc Besson cria Joana d’Arc da pancadaria. Folha de São Paulo. Caderno Ilustrada, p. 6, 7 nov. 2006. p. 6. Disponível em http://acervo.folha.uol.com.br/fsp/2006/11/07/21/  Acesso em 20/06/2017.
[6] PERNOUD, Régine. Joana D'Arc, a mulher forte. São Paulo: Paulinas, 1996.

domingo, 18 de junho de 2017



MEROVÍNGIOS E CAROLÍNGIOS


Nos séculos IV e V, e ao longo dos séculos posteriores, a limes romana foi sucessivamente invadida por tribos germânicas, as quais originaram diversos reinos. Entre esses reinos, apenas os francos foram duradouros.

Sua primeira dinastia foi a dinastia Merovíngia, que deve seu nome a Meroveu, e surgiu na história com as vitórias de seu filho Childerico. O filho de Childerico, Clóvis, conseguiu unir sob seu controle a maior parte da Gália ao norte do Loire por volta de 486, quando ele derrotou Siágrio, o governante romano daquela região. Clóvis, anexou vários territórios em batalhas, e em 496, deu um passo importante para fortalecer seu poder real, convertendo-se ao cristianismo, ganhando o apoio da Igreja e da maior parte da população da Gália, constituída por cristãos. Fato que também contribuiu para aumentar a integração entre conquistadores e conquistados.

Após a morte de Clóvis, seu reino foi dividido entre seus quatro filhos, como era costume entre os francos. A tradição da divisão do reino entre os herdeiros continuaria no século seguinte. Mesmo quando mais de um rei merovíngio governava, o reino era concebido como uma entidade única governada coletivamente por vários reis - em seus próprios domínios - e a sequência de eventos poderia resultar na reunificação de todo o reino sob um único rei.

Um processo muito comum durante a idade média, enfraqueceu o poder da dinastia. Por serviços prestados ao rei, como recompensa, as terras do reino eram distribuídas para o clero e a nobreza. O que aos poucos acarretou numa perda de poder real nessas terras, que se submeteram aos senhores feudais.

O poder transferiu-se para os prefeitos do palácio (major domus). Destacando-se no cargo, Carlos Martel, barrando a expansão árabe em 732. Seu filho Pepino o Breve, com o apoio papal depôs o último soberano merovíngio, Childerico III, iniciando a dinastia Carolíngia. Em retribuição ao apoio, cedeu território a Igreja, que deu origem aos Estados Pontifícios (na Itália).

Em 768, Carlos Magno, filho de Pepino e o mais famoso e importante dos reis francos, assumiu o trono e expandiu suas fronteiras, aumentando seu poder sobre o reino. Pois, ao contrário dos merovíngios, ao conquistar novas terras e distribuí-las aos aristocratas, exigia um compromisso de lealdade com o rei suserano.

Carlos Magno também contou com o apoio da Igreja, que assim, propagava o cristianismo aos povos conquistados. Sendo inclusive coroado como imperador do novo Império Romano do Ocidente.

domingo, 16 de abril de 2017


GRÉCIA PRIMITIVA: CRETA


FINLEY, M.I. As ilhas. Creta. In:_______ Grécia primitiva: Idade do Bronze e Idade Arcaica. [S.l.]: Martins Fontes. 1990.




Segundo Finley (1990), Creta era pobre em recursos minerais e não tinha uma localização tão privilegiada para o tráfego marítimo como Chipre, vivendo um grande isolamento.

Entre 2500 a 2300 a.C., a população crescera consideravelmente. Seus aglomerados mais importantes situavam-se na extremidade da ilha, mas com o tempo, ocorreu um mudança para o centro. Havia aldeias até mesmo na inóspita região oeste.

Suas técnicas metalúrgicas básicas, provavelmente foram aprendidas das civilizações cicládicas, onde as adagas de cobre tornaram-se marca cretense. Por volta do término do Minoano Antigo, sua tecnologia atingiu o máximo possível de progresso na idade do bronze. O período seguinte, o Minoano Médio, a idade áurea de Creta, entre 2000 e 1600 ou 1550, caracterizou-se por um enorme avanço em outras esferas, no poder público, na riqueza e na arte.

Entretanto, talvez, a mais notável manifestação da originalidade cretense ocorresse no campo da escrita. Primeiro surgiu um tipo de escrita pictórica modificada. Posteriormente, nos primeiros séculos do Minoano Médio apareceu uma escrita mais sofisticada, denominada “Linear A”. Com o passar do tempo, a Linear A foi substituída pela Linear B, uma ramificação mais complicada.

A única referência importante que temos da escrita cretense provém de pequenas tábulas de argila, que surpreendentemente sobreviveram por acidente, nos incêndios que se seguiram à destruição dos palácios.

Nessas tábulas, os textos são curtos e bastantes limitados, consistindo em um tipo ou outro de lista. Para os cretenses, assim como os sumérios, as necessidades de uma administração centralizada constituíram um estímulo bem maior para o desenvolvimento da escrita do que as necessidades intelectuais ou espirituais.

Estudos apontam que Creta foi abalada por um grande terremoto no Minoano Médio III, seguido de uma reconstrução imediata, e um desenvolvimento maior que anteriormente observado. No Minoano Tardio II, observa-se outro abalo catastrófico, dessa vez sem recuperação. De acordo com Finley (1990, p. 48) a vida em Creta prosseguiu, “mas a era do poder e dos palácios encerrara-se definitivamente”.

quinta-feira, 6 de abril de 2017


HATSHEPSUT É O CARA!




Pertencente a XII dinastia, no Império Novo, Hatshepsut era a filha mais velha do faraó Tutmés I. Quando seu pai morreu, casou-se com seu irmão bastardo Tutmés II, filho de seu pai e uma concubina. Casamentos entre meio-irmãos, e até mesmo entre irmãos, eram comuns naquela época, entre a realeza, pois tinham o objetivo de manter a linhagem real.

Tutmés II veio a falecer logo. Com isso, Hatshepsut casa com Tutmés III, filho de Tutmés II, seu enteado e sobrinho, pelo mesmo motivo anteriormente explicado.  O novo governante não passava de uma criança, obrigando Hatshepsut a assumir o verdadeiro lugar de faraó. A mulher empoderou-se, definitivamente.

Adotando os atributos faraônicos como cetro, barba postiça, tanga curta e cauda de touro, Hatshepsut declara publicamente ser filha do deus Amon-Rá. O clero, devidamente abastecido, aceita a mesma como sua faraó.

Hatshepsut é considerada uma das mais importantes governantes do antigo Egito, tendo uma influência que ultrapassou os limites nacionais, mesmo que, posteriormente, seu sucessor tenha desprendido ações para apagar seu nome da lista de faraós. Faleceu em 1473 a.C., e foi a quinta governanta egípcia de sua dinastia. Seu corpo está sepultado no Vale das Rainhas e seus monumentos foram derrubados após sua morte .

Apesar de suas realizações, o sobrinho e enteado de Hatchepsut, Tutmés III tentou fazer desaparecer o seu legado perto do fim de seu reinado, possivelmente em represália pela usurpação do seu trono.

sábado, 25 de março de 2017


CINEMA E PRÉ-HISTÓRIA

Marcelo Ferraz




Segundo Ferro (2010), o cinema deveria ser visto como uma contra-análise da sociedade, com a possibilidade de apelar-se para outros saberes para melhor compreendê-la.

Para Miceli (2014), a maioria das pessoas considera como filmes históricos apenas aqueles que tratam dos romanos, dos faraós ou sobre guerras, não considerando a importância dos demais gêneros para a História.

Ricon (2016) sustenta a ideia de que qualquer filme pode ser pesquisado das mais diversas formas, e essa possibilidade é das mais crescentes atualmente em nosso país.

Nas obras cinematográficas analisadas, partindo do pressuposto elencado por Ferro, criamos uma ideia do que poderia ter sido o contexto do Homem pré-histórico, de forma ficcional, respeitando, até o possível o aspecto plausível.

Gosden nos alerta sobre esse cuidado ao se tentar recriar esse cenário.



A dificuldade e a escassez de evidências nos tornam desconfortavelmente cientes de que o esforço imaginativo necessário para compreender o passado pode facilmente nos levar à fantasia, a projetar nossas visões prosaicas do mundo na grande tela da pré-história humana (GOSDEN, 2012, p. 17).



Annaud, com sua Guerra do fogo (1981), permite-nos visualizar toda a mística e magia que circunda a presença do fogo entre os homens da pré-história.

No texto de abertura da película podemos observar:



80.000 anos atrás, a sobrevivência do homem, em uma terra vasta e inóspita dependia da posse do fogo.

Para  aqueles humanos primordiais, o fogo era um objeto de grande mistério, desde que ninguém o tivesse criado. O fogo tinha que ser subtraído da natureza. Tinha que ser mantido vivo – abrigado do vento e da chuva,  a salvo das tribos rivais.

O fogo era um símbolo de poder e um sentido de sobrevivência. A tribo que possuísse o fogo, possuiria a vida[1] (ANNAUD, 1981).



No filme, é possível observar a utilização de peles com o objetivo de proteção contra o frio, construção de tendas rudimentares, fabricação de lanças e utilização do próprio fogo para a alimentação e proteção do seu grupo social.

Tais artifícios, responsáveis pela sobrevivência e multiplicação da raça humana, são chamados de equipamentos por Childe (1981). Esses equipamentos permitiriam ao homem atuar sobre o mundo exterior e reagir em função dele.

Ao contrário de outros animais, que nascem providos de seus equipamentos naturais, o homem precisou criar e adaptar seus próprios equipamentos para sobreviver.

Pinsky (2001) nos diz que o homem é o animal mais inadequado para sobreviver em nosso planeta, entretanto, o mais poderoso. Em A guerra do fogo, o cineasta deixa evidente a utilização de equipamentos por parte do homem.

O filme conta a história de um grupo humano pré-histórico, que atacado por uma tribo rival, perde a posse do fogo, um bem precioso para a sua sobrevivência.

Dessa forma, alguns membros do grupo são obrigados a partirem em busca de outra fonte de fogo para garantirem a sobrevivência da coletividade, o que Lima (1985, p. 22) chamou de “uma fantástica reflexão sobre o poder”.

O filme de Annaud, trata de temas relevantes no cenário humano pré-histórico, como socialização, proteção contra predadores e tribos rivais, além de antropofagia e sexualidade.

Em 2001 – Uma odisséia no espaço (1968), realizado por Stanley Kubrick, alguns desses temas são tratados, dando evidência ao espírito beligerante do homem primordial, que em nome do bem-estar de seu grupo social, lança mão da violência como recurso.

Ambos os filmes são de grande utilidade para o estudo da pré-história, sendo que a obra de Kubrick serve ao propósito somente em sua parte inicial intitulada The dawn of man (O alvorecer do Homem).

A maquiagem, o figurino e o cenário, presentes em A guerra do fogo, levam-nos ao tempo-espaço pré-histórico, onde a música completa magistralmente o plano do diretor de fazer do espectador envolver-se com a jornada que se desenvolve na tela.

Na obra de Annaud,  em sua jornada, os homens pré-históricos escapam de predadores, digladiam-se com uma tribo antropofágica e encontram um grupo humano mais desenvolvido, assim denominado por dominar a arte da criação do fogo.

Esse momento é determinante no filme, pois ao descobrir, surpreso, que alguém consegue fabricar o fogo com suas próprias mãos, o personagem pré-histórico, inicialmente incrédulo vai às lágrimas, não conseguindo conter a emoção.

Pontuando e criando os momentos de emoção, tensão e alegria, a música criada por Phillipe Sarde, em A guerra do fogo, serve para envolver o espectador, além de servir de linguagem em um filme onde não se utilizam de diálogos inteligíveis. Para os diálogos dos personagens foi criada uma linguagem própria, derivada do alemão primitivo e de línguas latinas pelo escritor e linguista Anthony Burguess (LIMA, 1985).

Coincidentemente, o filme de Kubrick também tem poucos diálogos, sendo preenchido por música clássica.

O tema de 2001 – Uma odisséia no espaço, foi composta em 1896 por Richard Strauss, intitulada Also sprach Zarathustra, e é um dos mais icônicos temas musicais utilizados em obras cinematográficas, sendo facilmente reconhecida.

Na obra de Annaud, as relações sociais e sexuais do homem pré-histórico também são discutidas. Inicialmente percebe-se a formação da família endogâmica, como característica do grupo inicialmente tratado.

Friedrich Engels, em sua obra A origem da família, da propriedade privada e do Estado (1884), trata da formação familiar, baseado em estudos antropológicos de Lewis Morgan, em A sociedade antiga (1877), que procurava tecer o desenvolvimento social dos grupamentos humanos, o qual foi classificado em estágios de selvageria, barbárie e civilização.

Segundo Morgan, as famílias surgiram de forma endógena, formando laços entre irmãos, onde havia um antepassado comum a todos, sendo chamada de família consanguínea, até que, com o tempo, essas uniões fossem formadas de forma exógena, ou seja, por elementos de grupos distintos, sendo chamada de família sindiásmica, tal qual se observa em A guerra do fogo.

Nas cenas finais do filme é observado a formação da nova família sindiásmica, com a presença da fêmea, oriunda de grupo social distinto, agora grávida.

Os filmes A guerra do fogo e a primeira parte de 2001 – Uma odisséia no espaço, são profícuos no estudo e no processo ensino-aprendizagem de Pré-História.

Ambas as obras tratam de questões pertinentes ao contexto do homem pré-histórico, e mesmo sendo apenas representações da realidade, permitem-nos criar um cenário plausível sobre o espaço-tempo analisado.

Mesmo sem a classificação de “filme histórico” – ambos classificados como ficção – as obras estudadas, como muitas outras, são reconhecidamente objetos de estudo histórico.

Tal condição, de reconhecer as obras fílmicas como fontes de pesquisa histórica, só foi possível graças ao advento dos Annales, e posteriormente à dedicação do historiador francês Marc Ferro, que encontrou continuidade na História Cultural.

Cabe ao professor e pesquisador de história saber explorar, da melhor maneira possível, este cabedal de informações, em prol do desenvolvimento da História.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS



2001 – UMA ODISSÉIA no espaço. Direção: Stanley Kubrick. EUA: Metro-Goldwyn-Mayer, 1968. 1 DVD (148 min).

CHILDE, Vere Gordon. O que aconteceu na história. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.

ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. São Paulo: Centauro, 2006.

FERRO, Marc. Cinema e história. São Paulo: Paz e Terra, 2010.

A GUERRA do fogo. Direção: Jean-Jacques Annaud. França/Canadá: 20th Century Fox, 1981. 1 DVD (100 min).

GOSDEN, Chris. Pré-História. Porto Alegre: L&PM, 2012.

LIMA, César Garcia. A guerra do fogo. Bizz. n. 18, jan. 1987, p. 22.

MICELI, Paulo. Uma pedagogia da História? In: PINSKY, Jaime (org.). O ensino de história e a criação do fato. São Paulo: Contexto, 2014. p. 37-52.

NAPOLITANO, Marcos. Como usar o cinema na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2004.

NAPOLITANO, Marcos. Fontes audiovisuais:a história depois do papel, In: PINSKY, Carla Bessanezi (org.). Fontes históricas. São Paulo : Contexto, 2008.

PINSKY, Jaime. As primeiras civilizações. São Paulo: Contexto, 2001.

RICON, Leandro. Apresentação. In: SOUZA NETO, José Maria; SCHURSTER, Karl; RICON, Leandro. Imagens em movimento. Ensaios sobre cinema e história. Rio de Janeiro: Autografia, 2016.



[1] 80,000 years ago, man’s survival in a vast uncharted land depended on the possession of fire.
For those early humans, fire was an object of great mystery, since no one had mastered its creation. Fire had to be stolen from nature. It had to be kept alive – sheltered from wind and rain, guarded from rival tribes.
Fire was a symbol of power and a means of survival. The tribe who possessed fire, possessed life.

quarta-feira, 15 de março de 2017


A FORMAÇÃO DA FAMÍLIA NA HISTÓRIA






Tratar da formação da família na história, obriga-nos, à princípio, a tentar definir seu conceito. Tal fato nos leva a descobrir uma miríade de significados, tanto no campo social, como antropológico, e até mesmo jurídico.

A família já serviu, inclusive, de assunto do materialismo histórico, quando Friedrich Engels publicou seu trabalho, sob o título de A origem da família, da propriedade privada e do Estado, em 1884.

Engels baseou seu estudo no tratado antropológico de Lewis Morgan, A sociedade antiga (1877), que procurava tecer o desenvolvimento social dos grupamentos humanos, o qual foi classificado em estágios de selvageria, barbárie e civilização.

Segundo Morgan, as famílias surgiram de forma endógena, formando laços entre irmãos, sendo chamada de família consanguínea, posteriormente entre primos, sendo chamada de família punaluana (ou panaluana), até que, por fim, essas uniões fossem formadas de forma exógena, ou seja, por elementos de grupos distintos, sendo chamada de família sindiásmica.

O termo “família”, propriamente dito, só viria surgir na antiga Roma, derivada de famulus, que designava os escravos que trabalhavam de forma legalizada na agricultura familiar (CUNHA, 2010), logo após surgindo a expressão família natural, dentro campo do direito romano.

Com a expansão e hegemonia da Igreja Católica Apostólica Romana, houve a transformação do casamento em única forma de criação da família.

A família seria então criada pelo casamento cristão entre duas pessoas de sexos diferentes, unidas através de ato solene e consumado pela relação carnal entre os nubentes.

Em nosso país, colonizado por Portugal e evangelizado sob os preceitos da Igreja Católica, o casamento era legalizado pela cerimônia religiosa, mantendo-se, segundo a lei, a forma patriarcal, com pleno domínio do homem.

Somente com a promulgação da Constituição Federal de 1988, é reconhecida a família como união estável entre homem e mulher, igualando-os na sociedade conjugal, eliminando-se as diferenças de direito.

Entretanto, o mundo contemporâneo não nos permite manter o conceito de família de forma tão estática, visto que a sociedade já percebe outros modos de constituição familiar, inclusive entre pessoas de mesmo sexo, amparadas pela lei.

Tema de inúmeras pesquisas e trabalhos acadêmicos, a família continua suscitando debates e erigindo conceitos.

Para Fonseca (2005), família significa coisas diferentes e seu significado depende da categoria social, mostrando-nos a diferença de percepção de significado do conceito em diferentes estratos sociais, e a forma de interação e formação de “redes de ajuda”, presentes nas camadas menos favorecidas, que tendem a expandir seus limites de área doméstica, fazendo parte de seu núcleo não só por seus vínculos consanguíneos, mas também de afeto.

Fonseca chama a isso de dinâmicas e relações familiares, onde define o laço familiar como uma relação marcada pela identificação estreita e duradoura entre

determinadas pessoas que reconhecem entre elas certos direitos e obrigações mútuos.

Da mesma forma, Carvalho (2005) trata das relações dos indivíduos dentro de seus grupos e redes sociais, e nos mostra a importância do fator sexual como força motriz para a união matrimonial de atores no mundo animal, levando-nos de volta ao conceito balizado pela Igreja Católica Apostólica Romana, como forma de contração de matrimônio e formação de família.

Além disso, dentro de vários grupos de primatas, segundo a autora, observa-se a formação de redes de ajuda mútua, favorecendo determinados indivíduos, no qual ele coloca como exemplos da função do vínculo interindividual na organização e na dinâmica de grupos sociais.

Tais redes de ajuda mútua, ou simplesmente “redes de ajuda” elencadas por Fonseca (2005), favorecem a extensão do conceito de família além de seus laços consanguíneos, incluindo-se aí ex-sogros, compadres e até amigos, segundo a autora.

Nos últimos anos tem sido propalado a “crise da família”. Goldani (1993) nos relata que, apesar de recentes pesquisas apontarem a família como a instituição de maior confiabilidade, há uma percepção “negativa” sobre a mesma, oriunda de degradação das condições de vida, violência, menores abandonados, crimes passionais, e estimulada pela mídia televisiva que trata de mostrar o amplo leque de estilos alternativos de vida, levando a família para o limiar de mudanças importantes, mas não necessariamente a seu desaparecimento.

Segundo a autora, o conceito histórico de família, defendido pela Igreja e Estado, em sua forma patriarcal, monogâmica e indissolúvel, encontra-se em conflito com o modelo de família classe média urbana, comum em um país de evidente crescimento da população das cidades.

Além disso, fica evidente o descaso do Estado, que em não realizar seu suporte a cidadãos de idade avançada, devido ao alargamento da expectativa de vida que vivemos hoje, deixa nas mãos da família o auxílio a seus membros, em um visível retrocesso dos serviços públicos.





O conceito de família tem sido alterado no decorrer do tempo, bem como sua composição. A forma de união consanguínea, presente nas uniões pretéritas, foi substituída por acordos de interesses, abençoado pela Igreja, e mantendo-se o estilo patriarcal.

Apenas em fins do século passado a mulher teve seu papel equiparado ao do homem, mesmo tendo sido observado um crescente número de famílias lideradas por mulheres (mães e avós) nas últimas décadas.

As mudanças constantes e irrefreáveis que sempre passaram as sociedades, permitem-nos antever as mudanças que serão absorvidas pela família, que já não ostenta a mesma imagem de tempos passados.

A união homoafetiva já é uma realidade em nossa sociedade.

Além disso, o nosso país passou, nas últimas décadas, por uma intensa transformação social, onde a maioria de sua população vive em centros urbanos, ao contrário do que ocorria anteriormente, com a maioria da população habitando áreas rurais.

Resta-nos, como futuros educadores, tentarmos acompanhar o curso da História e entendermos que não há receita para definir os membros de uma rede familiar, facilitando a convivência e o acolhimento, na tentativa de estímulo e reforço das redes de ajuda tratadas.

O próprio conceito de família é largo, amplo e, por vezes, contraditório.

Além disso, extrapolando a esfera profissional, é dever de todos, a cobrança de ações sociais de proteção à família por parte do poder público, em especial das menos assistidas, pois como bem elencado na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, a família é elemento fundamental da sociedade.







Referências bibliográficas:

CARVALHO, A. M. A. Em busca da natureza do vínculo: uma reflexão psicoetológica sobre grupos familiares e redes sociais. In: J.C.Petrini e V.R.Cavalcanti (orgs). Família, Sociedade e Subjetividades: uma perspectiva multidisciplinar. Petrópolis, RJ: Vozes, 2005. p. 183-194.

CUNHA, Matheus Antonio da. O conceito de família e sua evolução histórica. In: Portal Jurídico Investidura, Florianópolis/SC, 27 Set. 2010.

FONSECA, Claúdia. Concepções de família e práticas de intervenção:uma contribuição antropológica. In: Saúde e Sociedade. v.14, n.2, p.50-59, maio-ago 2005.

GOLDANI, Ana Maria. As famílias no Brasil contemporâneo e o mito da desestruturaçao. 1993.

sábado, 4 de março de 2017



A HISTÓRIA PELO CINEMA

 

Graças ao trabalho de Descartes, ainda no século XVII, com o seu Discurso sobre o Método (1637),  inicia-se a prevalência da razão sobre a crença religiosa. No século XIX, a humanidade, já municiada do método científico, torna-se capaz de conceber um grande salto em vários campos, como por exemplo na matemática, física e, como não poderia deixar de ser, na ciência.

A história, que até aquele momento amalgamava-se com a filosofia, tinha por objetivo tornar-se ciência também, como tantas outras disciplinas eruditas.

A partir daí, tornava-se necessário criar mecanismos científicos para o ato de se escrever a História. A isso chamamos de historiografia, ou seja, a ciência da História, ou o produto do conhecimento histórico obtido racionalmente, obedecendo regras metodológicas e de cognição da história com pretensões de cientificidade (RUSEN, 1995, apud CORDEIRO, 2015).

Nos idos do século XIX, com o surgimento da Escola Positivista, consideravam-se fontes somente os documentos oficiais, limitando-se aos documentos de Estado.

Entretanto, a partir do surgimento dos Analles, começa-se a questionar a limitação das fontes oficiais. O resultado deste questionamento foi o significativo aumento do número de fontes possíveis de investigação por parte do historiador (SOUZA, 2003).

A partir daí, dá-se como fonte de pesquisa, também, as fontes orais, arqueológicas, audiovisuais, periódicos, entre outros que possam servir para contar a História. Mais recentemente, a partir da década de 1970, através de trabalhos de Marc Ferro e da Nova História (SANTIAGO JÚNIOR, 2001), começa-se, inclusive, a considerar as obras cinematográficas, como de importância historiográfica, em um claro sinal da multiplicidade de fontes as quais o historiador pode lançar mão.

À essa altura, convém questionarmos qual utilidade teria ao lançarmos mão das obras cinematográficas como ferramenta auxiliar no processo ensino-aprendizagem de história. Segundo Napolitano (2008, p. 236) “vivemos em um mundo dominado por imagens e sons”, o que por si só já seria suficiente para fazermos incorporar o cinema e outras tecnologias na sala de aula.

O cinema, palavra de origem etmológica grega, KINEMA (imagem em movimento),  “possibilita aqueles que o assistem de terem diante de seus olhos uma representação da realidade social da época em que vivem ou até mesmo de épocas passadas” (LIMA, 2015, p.1), facilitando a assimilação de assunto exposto em sala.

Mesmo o filme, sendo “imagem ou não da realidade, documento ou ficção, intriga autêntica ou pura invenção, é História” (FERRO, 2010, p. 32), acima de tudo.

Entretanto, apesar de termos tal ferramenta disponível, “o uso de recursos cinematográficos ainda carece de melhoramentos por parte dos profissionais que o utilizam” (SOUZA; SOARES, 2003, p. 2). Há muito ainda o que se extrair de benefício da utilização das obras cinematográficas em sala de aula.

De certo, com o auxílio do cinema “é possível aprender História, e esse processo de cognição serve para interpretar a ação humana em tempos e lugares diferentes” (PEREIRA; SILVA, 2014, p. 318).

A utilização do cinema no processo ensino-aprendizagem favorece o estabelecimento de “diálogos com conceitos teóricos que remetem para discussões e as posturas em relação à iconografia e imagens, trazidas pelas novas abordagens historiográficas” (SOUZA; SOARES, 2003, p. 2), além de facilitar a “assimilação de conteúdos por parte dos alunos despertando o interesse pelo tema tratado” (LIMA, 2015, p. 95).

Um filme pode ser um excelente recurso didático. E como qualquer outro recurso didático, ele por si só, “não resolve os problemas no processo ensino-aprendizagem” (LIMA, 2015, p. 95), porém, os filmes “tem sempre alguma possibilidade para o trabalho escolar” (NAPOLITANO, 2004, p. 12).

Cabe ao historiador, desvencilhar-se de preconceitos e entender a obra cinematoráfica também como fonte de pesquisa, dando oportunidade de enriquecimento à Historia.


REFERÊNCIAS

FERRO, Marc. Cinema e história. São Paulo: Paz e Terra, 2010.
LIMA, D.R.L. Cinema e história: o filme como recurso didático no ensino/aprendizagem da história. Revista Historiador, [S.l.], n. 07. p. 94-108, jan. 2015.
NAPOLITANO, Marcos. Como usar o cinema na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2004.
NAPOLITANO, Marcos. Fontes audiovisuais:a história depois do papel, In: PINSKY, Carla Bessanezi (org.). Fontes históricas. São Paulo : Contexto, 2008.
SANTIAGO JÚNIOR, Francisco das Chagas Fernandes. Cinema e historiografia: trajetória de um objeto historiográfico (1971-2010). História da historiografia, ouro preto, n.8, abr/2012, p. 151-173.

SOUZA, P.J.C; SOARES, V.G. Cinema e ensino de história. XXVII Simpósio Nacional de História. Natal. 22-26 jul. 2003.