CINEMA, MÚSICA E TELEVISÃO COMO FONTES HISTÓRICAS.
Marcos
Napolitano, historiador e professor da Universidade de São Paulo, autor de
livros e artigos sobre o regime militar brasileiro, foi o responsável por
escrever sobre as fontes audiovisuais na obra de Carla Pinsky, Fontes Históricas.
Em
seu capítulo, intitulado Fontes
audiovisuais: a história depois do papel, Napolitano nos fala sobre a importância
da utilização do cinema, da TV e da música como fontes históricas. Segundo o
autor, os historiadores, principalmente aqueles especialistas em História do
século XX, não podem deixar passar despercebidas tais fontes, tamanho seu
valor, já que vivemos em um mundo dominado por imagens e sons.
Entretanto, torna-se necessário “perceber as fontes audiovisuais e musicais em suas estruturas internas de
linguagem e seus mecanismos de representação da realidade, a partir de seus
códigos internos”
(NAPOLITANO in PINSKY, 2008, p. 236). Ou seja, é preciso que sejam
despojados de sentido objetivo e subjetivo, tais fontes.
A visão objetivista decorre do
“efeito de realidade” criado pelo observador, como “verdade”. Tal visão é
comumente percebida no filme documentário e no jornalismo. A visão subjetivista
estaria atrelada ao documento musical dada sua natureza estética e polissêmica.
O cinema, segundo Napolitano, figuraria entre as duas visões, por seu caráter
ficcional e sua capacidade de registro.
Não é necessário que o
historiador se torne um musicólogo ou crítico de cinema. Entretanto, há de se
considerar a especificidade técnica de linguagem, os suportes tecnológicos e os gêneros narrativos que
se insinuam nos documentos audiovisuais. Segundo o autor, o uso de fontes
audiovisuais e musicais, revela-se uma possibilidade a mais no acervo
historiográfico, desde que bem articuladas a crítica interna e externa, a análise
e a síntese.
Outro ponto, levantado por
Napolitano, que merece atenção é a armadilha que reside na “ilusão de
objetividade do documento audiovisual” (NAPOLITANO in PINSKY, 2008, p. 239),
tomado como “registro da realidade”. Lembrando que as fontes audiovisuais, como
qualquer outra fonte, são portadoras de uma tensão entre evidência e
representação. Ou seja, não é necessariamente a realidade, mas sua
interpretação, por parte do autor.
De acordo com o autor, existem três
possibilidades básicas de relação entre história e cinema: o cinema na História (como fonte primária de
investigação historiográfica), a história no
cinema (como produtor do “discurso histórico”) e a História do cinema (avanços técnicos, linguagem
cinematográfica).
O filme ficcional pode ser
percebido por parte do público como fonte de “verdade histórica” tanto quanto o
filme documental, este último defendido pelo historiador de inspiração mais
positivista como “mais realista”. Antes de mais nada, faz-se
necessário o levantamento de determinadas questões em relação ao filme como
fonte: como o filme traduz o presente ao representar o passado? Quais sãos as
tensões internas do filme? o que o filme diz e como o diz? E conclui que cinema é manipulação,
e é essa sua natureza que deve ser levada em conta no trabalho historiográfico.
O produto da televisão, por ser
mais volátil, tem uma maior dificuldade em guardar sua própria memória. Basta lembrarmos
que o advento do videotape surgiu algumas décadas após o surgimento da TV, na
década de 1950, onde os programas eram transmitidos “ao vivo”, sem edição. A teledramaturgia e o
telejornalismo seriam as fontes de estudo por excelência dentro do cenário
televisivo. O telejornal, como promotor de uma memória social, envolve três
momentos: o registro do dado, a caracterização do fato e a narrativa do evento. Entretanto,
cabe ao historiador analisar o documento, desconstruindo os fatos ou os eventos
narrados pelo telejornal. A TV, fazendo parte de nosso
cotidiano, caracteriza-se como uma nova experiência social do tempo histórico,
pois faz coincidir o verdadeiro, o imaginário e o real no ponto presente.
O historiador que resolver
trabalhar com a música como fonte irá se defrontar com um dilema básico: qual o
objetivo principal da pesquisa? A prática musical registrada ou a perspectiva
de quem a registrou?
Até meados da década de 1970 a
música era produzida para ser ouvida e dançada. A partir daí ela é produzida
para ser vista, por meio dos videoclips,
subordinada ao império da imagem. O que alarga a perspectiva da pesquisa e faz
surgir novas nuances e questionamentos. Além disso, segundo o autor, a
análise da música como fonte requer um certo cuidado, pois:
[...] a estrutura interna da obra e as intenções
subjetivas do compositor, o sentido social, ideológico e histórico de uma obra
musical reside em convenções culturais que permitem a formação de uma rede de
escutas sincrônica e diacrônica. Sincrônica, pois uma obra erudita ou uma
canção popular têm um tempo/espaço de nascimento e circulação original, caso
contrário não seria uma fonte histórica. Diacrônica, pois como património
cultural, ela será transmitida ao longo do tempo, sob o rótulo de obra-prima ou
obra medíocre, e suas releituras poderão dar-lhe novos e inusitados sentidos
ideológicos e significados socioculturais (NAPOLITANO in PINSKY, 2008, p. 259).
Da mesma forma, o autor nos mostra os diferentes formatos disponíveis
para pesquisa musical, como os discos de 45 rpm, e o compact disc, bem como relata a importância da internet como
ferramenta auxiliar na busca de dados de catalogação das obras musicais, como
também no que diz respeito à filmografia e outras informações de relevância para
o historiador que se propuser a adentrar essa seara.
Recomendado não só para o professor de história ou
historiador, como também para todo aquele que tem o cinema, a música ou mesmo a
televisão como campo de seu interesse pessoal.
NAPOLITANO, Marcos. Fontes audiovisuais:a história depois do papel. In: PINSKY, Carla Bessanezi (org.). Fontes históricas. São Paulo : Contexto, 2008.