terça-feira, 29 de novembro de 2016

CINEMA, MÚSICA E TELEVISÃO COMO FONTES HISTÓRICAS.



Marcos Napolitano, historiador e professor da Universidade de São Paulo, autor de livros e artigos sobre o regime militar brasileiro, foi o responsável por escrever sobre as fontes audiovisuais na obra de Carla Pinsky, Fontes Históricas.

Em seu capítulo, intitulado Fontes audiovisuais: a história depois do papel, Napolitano nos fala sobre a importância da utilização do cinema, da TV e da música como fontes históricas. Segundo o autor, os historiadores, principalmente aqueles especialistas em História do século XX, não podem deixar passar despercebidas tais fontes, tamanho seu valor, já que vivemos em um mundo dominado por imagens e sons.

Entretanto, torna-se necessário “perceber as fontes audiovisuais e musicais em suas estruturas internas de linguagem e seus mecanismos de representação da realidade, a partir de seus códigos internos(NAPOLITANO in PINSKY, 2008, p. 236). Ou seja, é preciso que sejam despojados de sentido objetivo e subjetivo, tais fontes.


A visão objetivista decorre do “efeito de realidade” criado pelo observador, como “verdade”. Tal visão é comumente percebida no filme documentário e no jornalismo. A visão subjetivista estaria atrelada ao documento musical dada sua natureza estética e polissêmica. O cinema, segundo Napolitano, figuraria entre as duas visões, por seu caráter ficcional e sua capacidade de registro.

Não é necessário que o historiador se torne um musicólogo ou crítico de cinema. Entretanto, há de se considerar a especificidade técnica de linguagem, os suportes tecnológicos e os gêneros narrativos que se insinuam nos documentos audiovisuais. Segundo o autor, o uso de fontes audiovisuais e musicais, revela-se uma possibilidade a mais no acervo historiográfico, desde que bem articuladas a crítica interna e externa, a análise e a síntese.

Outro ponto, levantado por Napolitano, que merece atenção é a armadilha que reside na “ilusão de objetividade do documento audiovisual” (NAPOLITANO in PINSKY, 2008, p. 239), tomado como “registro da realidade”. Lembrando que as fontes audiovisuais, como qualquer outra fonte, são portadoras de uma tensão entre evidência e representação. Ou seja, não é necessariamente a realidade, mas sua interpretação, por parte do autor.

De acordo com o autor, existem três possibilidades básicas de relação entre história e cinema: o cinema na História (como fonte primária de investigação historiográfica), a história no cinema (como produtor do “discurso histórico”) e a História do cinema (avanços técnicos, linguagem cinematográfica).

O filme ficcional pode ser percebido por parte do público como fonte de “verdade histórica” tanto quanto o filme documental, este último defendido pelo historiador de inspiração mais positivista como “mais realista”. Antes de mais nada, faz-se necessário o levantamento de determinadas questões em relação ao filme como fonte: como o filme traduz o presente ao representar o passado? Quais sãos as tensões internas do filme? o que o filme diz e como o diz? E conclui que cinema é manipulação, e é essa sua natureza que deve ser levada em conta no trabalho historiográfico.

O produto da televisão, por ser mais volátil, tem uma maior dificuldade em guardar sua própria memória. Basta lembrarmos que o advento do videotape surgiu algumas décadas após o surgimento da TV, na década de 1950, onde os programas eram transmitidos “ao vivo”, sem edição. A teledramaturgia e o telejornalismo seriam as fontes de estudo por excelência dentro do cenário televisivo. O telejornal, como promotor de uma memória social, envolve três momentos: o registro do dado, a caracterização do fato e a narrativa do evento. Entretanto, cabe ao historiador analisar o documento, desconstruindo os fatos ou os eventos narrados pelo telejornal. A TV, fazendo parte de nosso cotidiano, caracteriza-se como uma nova experiência social do tempo histórico, pois faz coincidir o verdadeiro, o imaginário e o real no ponto presente.

O historiador que resolver trabalhar com a música como fonte irá se defrontar com um dilema básico: qual o objetivo principal da pesquisa? A prática musical registrada ou a perspectiva de quem a registrou?

Até meados da década de 1970 a música era produzida para ser ouvida e dançada. A partir daí ela é produzida para ser vista, por meio dos videoclips, subordinada ao império da imagem. O que alarga a perspectiva da pesquisa e faz surgir novas nuances e questionamentos. Além disso, segundo o autor, a análise da música como fonte requer um certo cuidado, pois:

[...] a estrutura interna da obra e as intenções subjetivas do compositor, o sentido social, ideológico e histórico de uma obra musical reside em convenções culturais que permitem a formação de uma rede de escutas sincrônica e diacrônica. Sincrônica, pois uma obra erudita ou uma canção popular têm um tempo/espaço de nascimento e circulação original, caso contrário não seria uma fonte histórica. Diacrônica, pois como património cultural, ela será transmitida ao longo do tempo, sob o rótulo de obra-prima ou obra medíocre, e suas releituras poderão dar-lhe novos e inusitados sentidos ideológicos e significados socioculturais (NAPOLITANO in PINSKY, 2008, p. 259).

Da mesma forma, o autor nos mostra os diferentes formatos disponíveis para pesquisa musical, como os discos de 45 rpm, e o compact disc, bem como relata a importância da internet como ferramenta auxiliar na busca de dados de catalogação das obras musicais, como também no que diz respeito à filmografia e outras informações de relevância para o historiador que se propuser a adentrar essa seara.

Recomendado não só para o professor de história ou historiador, como também para todo aquele que tem o cinema, a música ou mesmo a televisão como campo de seu interesse pessoal.

NAPOLITANO, Marcos. Fontes audiovisuais:a história depois do papel. In: PINSKY, Carla Bessanezi (org.). Fontes históricas. São Paulo : Contexto, 2008.

terça-feira, 8 de novembro de 2016

OS PERIÓDICOS COMO FONTE DE PESQUISA  HISTÓRICA



Segundo Tânia de Luca, até a chegada da Família Real em 1808, as tipografias eram proibidas no Brasil, e  até a década de 1970 era raro uma abordagem historiográfica sobre os periódicos. Os próprios Annales, surgidos a partir da década de 1930, não haviam dado ainda espaço adequado à análise histórica dos impressos. Esta posição só seria alterada nas últimas décadas do século XX com o advento da Nova História e a importância agora dedicada à história imediata e ao “retorno” da história política.

De acordo com a autora, a escola positivista exerceu enorme influência, no que diz respeito ao desprestígio vivido pelos jornais e sua importância histórica, citando Gilberto Freyre como pioneiro inconteste, com seu trabalho de estudo sobre anúncios de jornais do século XIX, e segue relatando que somente em 1973 o jornal tornou-se objeto de estudo histórico por meio da tese de doutoramento de Arnaldo Contier, Imprensa e ideologia em São Paulo, abrindo caminho para outros trabalhos com mesmo foco de análise.


A imprensa, segundo Luca, tornou-se uma fonte privilegiada para o estudo do movimento operário entre as décadas de 1970 e 1990. Não se tratava de jornais de cunho empresarial, mas de periódicos feitos não por profissionais, mas militantes abnegados, impressos em pequenas oficinas e sem receita. De acordo com a autora, a imprensa operária, por meio de seus jornais e panfletos, que se constituíam em instrumento essencial de politização e arregimentação, tem muito a nos mostrar sobre suas correntes ideológicas, greves, mobilizações e conflitos, condições de vida e trabalho, repressão e relacionamento com empregadores.

A mesma importância teve a imprensa para as pesquisas acerca da imigração, intensificada a partir das últimas décadas do século XIX, com o propósito de alimentar a mão de obra nas regiões cafeeiras e no Sul do país. Além disso, as transformações conhecidas por algumas capitais brasileiras nas décadas iniciais do século XX foram, em várias investigações, analisados por intermédio da imprensa.

Luca pede um olhar especial sobre as revistas. Surgidas em 1900, sendo chamadas de revistas ilustradas ou de variedades, essas publicações vinham recheadas de  acontecimentos sociais, crônicas, poesias, humor, conselhos médicos, moda e regras de etiqueta, notas policiais, jogos, charadas e literatura para crianças, tais publicações forneciam um cardápio extenso, que procurava agradar a diferentes leitores, com o objetivo de se ampliar ao máximo os possíveis interessados.

Dentro deste contexto, vários estudos foram realizados com o objetivo de se analisar, por exemplo, as relações estabelecidas entre homem-mulher, ou a construção de estereótipos construídos sobre a mulher “falada”, evidenciando a importância de tal meio de comunicação no estudo histórico e social de décadas passadas.

Outro fato importante, em relação aos periódicos como fonte histórica, segundo a autora, é o papel desempenhado por jornais e revistas em regimes autoritários, como o Estado Novo e a ditadura militar. Seja como difusores dos valores defendidos pelo Estado, seja como vítimas da censura. Ainda no século XIX o que mais conseguiria caracterizar a imprensa brasileira era seu caráter doutrinário e a defesa apaixonada de ideias, além de um grupo de leitores diminuto, uma vez que o país detinha um enorme contingente de analfabetos.

De qualquer forma, a imprensa teve papel relevante em momentos políticos decisivos em nosso país, como a Independência, a abdicação de D. Pedro I, a abolição e a proclamação da República. O que a faz instrumento importante para o estudo, a análise historiográfica, colocando os jornais e revistas, os periódicos, de uma forma geral, como ferramenta de extremo valor, para que o historiador possa desbravar o passado e dar seu ponto de vista, imprimindo sua visão sobre determinado assunto em dado momento da História.

LUCA, Tânia Regina de. História dos, nos e por meio dos periódicos. In: PINSKY, Carla (org). Fontes históricas. São Paulo: Contexto, 2008. p. 111-142.