CRONOS E A HISTÓRIA
José
Carlos Reis, no primeiro capítulo de seu livro Teoria & história, intitulado O tempo histórico como “representação”, propõe uma discussão sobre
o tempo histórico e levanta uma série de pontos de vista e análises sobre as
diferenças de concepções dentro da historiografia e da linearidade temporal da
vida humana.
O
tempo está na natureza ou está na consciência? Como podemos definir presente,
passado e futuro? Com essas indagações, Reis procura inculcar em nossas mentes
a importância da definição de temporalidade, e de lá tentar extrair suas
definições.
De
acordo com o autor, o relógio mecânico surgiu na vida do homem entre 1300 e
1650, mudando completamente a forma como as sociedades começaram a se
relacionar com o tempo, e filosofa quando nos diz que o tempo seria a constante redução do ser ao nada, pela
descontinuação e sucessão do ser. O próprio Aristóteles entra na discussão.
Afinal, como falarmos de um ser que é e não é? Ou, que foi e não é mais? Não
seria essa a própria essência do tempo?
E, talvez a mais importante incógnita,
quando termina o passado e quando começa o presente? Segundo o autor, o passado é a única dimensão
que pode ser objeto de conhecimento, não sendo mais a negação da existência, mas
a afirmação do ser. O presente é o ponto de partida de toda representação do
tempo, dividindo-o em passado e futuro, sendo este último o portador tanto do
medo da finitude, quanto da esperança de ser.
Assim, poderíamos dizer que todo
trabalho de história é uma organização temporal, com seus recortes, ritmos,
periodizações e sequências. Narrar uma história não é (re)vivê-la, mas, uma
operação cognitiva, que exige a teorização. Nessa perspectiva, o tempo histórico se
confunde com a dimensão do passado das sociedades humanas e a história é “o
estudo dos fatos humanos do passado”.
Os Annales combateram a historiografia
tradicional sustentando que o passado e o presente se relacionam
determinando-se reciprocamente. Assim, o historiador deve partir do presente ao
passado e retornar do passado ao presente. Por seu método retrospectivo, o
passado só é compreensível se o historiador for até ele com uma problematização
suscitada pela experiência presente e bem formulada racionalmente.
Com isso, surge-nos o termo “tempo-calendário”,
indispensável à vida dos indivíduos e das sociedades e essencial ao historiador,
detentor de um evento fundador, que abre uma nova época, a partir do qual se
cortam e se datam os eventos. Desse ponto pode-se percorrer o tempo em duas
direções: do presente ao passado e do passado ao presente. O tempo-calendário não é só astronômico,
porque o ponto inicial é um evento que teria rompido com uma época e aberto
outra. No Ocidente, este evento divisor de épocas foi o surgimento de Cristo e
todos os eventos são “datados”, inseridos no tempo-calendário, acompanhados da
informação a.C. ou d.C.
Além disso, as datas não podem deixar
de ser sempre as mesmas para qualquer historiador, pois a datação em história é
realista e consensual. Assim, o primeiro esforço do historiador é produzir uma
sucessão rigorosa dos eventos, onde, o conhecimento das datas supõe a
compreensão de sucessões e sincronismos.
Segundo
Reis, o tempo histórico é representação intelectual, por não ser uma
reconstituição dos fatos tal como aconteceram; e uma representação cultural,
por ser fruto de uma época determinada. Daí partimos para as diferentes
representações temporais de acordo com algumas concepções. Os gregos
acreditavam no movimento circular, contínuo e infinito, não revelando o tempo,
mas a eternidade, de onde puderam criar a história porque viram que alguns
aspectos dessa experiência temporal tinham direito à eternidade e poderiam ser
repetidos. Diferentemente, os judeus deram ao
tempo a imagem de uma linha, onde, no futuro haveria a salvação e o fim do
sofrimento, com o retorno do messias. A partir do século XVIII, a profecia
cristã torna-se utopia. A ideia do progresso generaliza-se A esperança
escatológica cede lugar à confiança no futuro terrestre. O apocalipse cede
lugar à utopia, a modernidade rompe com o passado e se abre para o futuro.
Reis nos conta que o grande evento que definiu
nossa época ocorreu em 1989, com a queda do muro de Berlim, representando o fim
do projeto comunista. Com isso, vivemos uma época veloz,
entretanto, com pretensões de eternidade, com a busca vertiginosa de inovações
e lucro e com a tragédia do desemprego, sem futuro para os homens.
Em nossos dias, o presente deseja se
olhar como se fosse já histórico e volta-se sobre si mesmo para controlar a
imagem que o futuro lançará sobre ele quando for passado. Como exemplo, Reis cita o 11 de
Setembro, que se dá a ver enquanto ocorre, acontecendo sob as câmeras e os
olhares do mundo todo. O presente fazendo-se história para o futuro.
Propondo uma reflexão sobre a
conceituação e sua relação com a história, Reis lança luz sobre um tema tão
complexo e misterioso, que faz o homem se por a pensar desde muito, em um
amálgama de história e filosofia, que extrapola conceitos concretos.
REIS, José Carlos. O tempo histórico como “representação”. In:____ Teoria & história : tempo histórico, história do pensamento histórico ocidental e pensamento brasileiro. Rio de Janeiro: FGV, 2012.