sábado, 24 de dezembro de 2016

O DOCUMENTO HISTÓRICO


KARNAL, Leandro; TATSCH, Flávia Galil. A memória evanescente. In: PINSKY, Carla; LUCA, Tânia de (orgs.). O historiador e suas fontes. São Paulo: Contexto, 2009. p. 19 – 28.






Leandro Karnal e Flávia Tatsch, trazem-nos, no capítulo intitulado A memória evanescente, presente na obra de Carla Pinsky e Tânia de Lucca, O historiador e suas fontes, o conceito de documento histórico.
Inicialmente, elevando a importância do documento como base para o julgamento histórico, para logo em seguida indagar-nos: o que é um documento histórico?
Desconstruindo a ideia de que um documento histórico seria “uma folha de papel escrita por alguém importante”, como muito se fez acreditar no passado, Karnal e Tatsch, lembram-nos que sem documentos não há História.
Entretanto, a idéia de documento histórico foi amplamente alargada, desde o advento da Escola dos Annales, responsável pela ruptura do paradigma da Escola Metódica, que no século XIX certificava que o documento, seria em essência, o texto escrito.
Somando-se ao documento escrito clássico, defendido pela Escola Metódica, teríamos disponíveis também o documento arqueológico, a fonte iconográfica, o relato oral e “todo e qualquer mecanismo que possibilite uma interpretação”.
Tal ideia, segundo os autores, levou além, não só a noção do documento histórico, como também o trabalho do historiador.
O documento tem tanta importância, frente à História, que discutir o que é um documento histórico é estabelecer qual memória deve ser preservada.
Diante disso, Karnal e Tastch se utilizam da carta de Pero Vaz de Caminha, que durante mais de duzentos anos permaneceu esquecida na Torre do Tombo, em Portugal, para somente em 1773 ser (re)conhecida como documento histórico, sendo publicada somente em 1817, alcançando “o cume da hierarquia documental”,exposta em vitrine hermética, com iluminação e temperatura controladas.
Assim, observa-se a “construção permanente” do documento histórico, onde importa, também, de um lado o valor do texto, e do outro, o olhar de quem o lê, que, dependendo da leitura temporal, pode gerar valores extremamente diferentes.
O documento, segundo Karnal e Tastch, é responsável por criar uma conexão entre presente e passado, e o que não é documento histórico hoje, poderá ser amanhã, dado a mutabilidade do sentido conferido a ele. A concepção do documento histórico depende do meio social em que se encontra. Vide a carta de Pero Vaz de Caminha, que em seu tempo não passava de uma simples carta, sendo elevada ao patamar de documento histórico alguns séculos depois.
De qualquer forma, todos os caminhos tomados pelos Annales, estimularam a ampliação dos objetos históricos, cumprindo o desejo de Marc Bloch. Além disso, transforma o papel do historiador, dando a ele ares de detetive, que deve “extrair coisas que só aparecem de forma indireta”.
Sintetizando a idéia de documento histórico, Karnal e Tastch expõem a ideia de que qualquer fonte sobre o passado, conservado por acidente ou propositalmente, analisado a partir do presente e que possa criar diálogos com o passado é documento histórico.

Marc Bloch diria que sim.

terça-feira, 29 de novembro de 2016

CINEMA, MÚSICA E TELEVISÃO COMO FONTES HISTÓRICAS.



Marcos Napolitano, historiador e professor da Universidade de São Paulo, autor de livros e artigos sobre o regime militar brasileiro, foi o responsável por escrever sobre as fontes audiovisuais na obra de Carla Pinsky, Fontes Históricas.

Em seu capítulo, intitulado Fontes audiovisuais: a história depois do papel, Napolitano nos fala sobre a importância da utilização do cinema, da TV e da música como fontes históricas. Segundo o autor, os historiadores, principalmente aqueles especialistas em História do século XX, não podem deixar passar despercebidas tais fontes, tamanho seu valor, já que vivemos em um mundo dominado por imagens e sons.

Entretanto, torna-se necessário “perceber as fontes audiovisuais e musicais em suas estruturas internas de linguagem e seus mecanismos de representação da realidade, a partir de seus códigos internos(NAPOLITANO in PINSKY, 2008, p. 236). Ou seja, é preciso que sejam despojados de sentido objetivo e subjetivo, tais fontes.


A visão objetivista decorre do “efeito de realidade” criado pelo observador, como “verdade”. Tal visão é comumente percebida no filme documentário e no jornalismo. A visão subjetivista estaria atrelada ao documento musical dada sua natureza estética e polissêmica. O cinema, segundo Napolitano, figuraria entre as duas visões, por seu caráter ficcional e sua capacidade de registro.

Não é necessário que o historiador se torne um musicólogo ou crítico de cinema. Entretanto, há de se considerar a especificidade técnica de linguagem, os suportes tecnológicos e os gêneros narrativos que se insinuam nos documentos audiovisuais. Segundo o autor, o uso de fontes audiovisuais e musicais, revela-se uma possibilidade a mais no acervo historiográfico, desde que bem articuladas a crítica interna e externa, a análise e a síntese.

Outro ponto, levantado por Napolitano, que merece atenção é a armadilha que reside na “ilusão de objetividade do documento audiovisual” (NAPOLITANO in PINSKY, 2008, p. 239), tomado como “registro da realidade”. Lembrando que as fontes audiovisuais, como qualquer outra fonte, são portadoras de uma tensão entre evidência e representação. Ou seja, não é necessariamente a realidade, mas sua interpretação, por parte do autor.

De acordo com o autor, existem três possibilidades básicas de relação entre história e cinema: o cinema na História (como fonte primária de investigação historiográfica), a história no cinema (como produtor do “discurso histórico”) e a História do cinema (avanços técnicos, linguagem cinematográfica).

O filme ficcional pode ser percebido por parte do público como fonte de “verdade histórica” tanto quanto o filme documental, este último defendido pelo historiador de inspiração mais positivista como “mais realista”. Antes de mais nada, faz-se necessário o levantamento de determinadas questões em relação ao filme como fonte: como o filme traduz o presente ao representar o passado? Quais sãos as tensões internas do filme? o que o filme diz e como o diz? E conclui que cinema é manipulação, e é essa sua natureza que deve ser levada em conta no trabalho historiográfico.

O produto da televisão, por ser mais volátil, tem uma maior dificuldade em guardar sua própria memória. Basta lembrarmos que o advento do videotape surgiu algumas décadas após o surgimento da TV, na década de 1950, onde os programas eram transmitidos “ao vivo”, sem edição. A teledramaturgia e o telejornalismo seriam as fontes de estudo por excelência dentro do cenário televisivo. O telejornal, como promotor de uma memória social, envolve três momentos: o registro do dado, a caracterização do fato e a narrativa do evento. Entretanto, cabe ao historiador analisar o documento, desconstruindo os fatos ou os eventos narrados pelo telejornal. A TV, fazendo parte de nosso cotidiano, caracteriza-se como uma nova experiência social do tempo histórico, pois faz coincidir o verdadeiro, o imaginário e o real no ponto presente.

O historiador que resolver trabalhar com a música como fonte irá se defrontar com um dilema básico: qual o objetivo principal da pesquisa? A prática musical registrada ou a perspectiva de quem a registrou?

Até meados da década de 1970 a música era produzida para ser ouvida e dançada. A partir daí ela é produzida para ser vista, por meio dos videoclips, subordinada ao império da imagem. O que alarga a perspectiva da pesquisa e faz surgir novas nuances e questionamentos. Além disso, segundo o autor, a análise da música como fonte requer um certo cuidado, pois:

[...] a estrutura interna da obra e as intenções subjetivas do compositor, o sentido social, ideológico e histórico de uma obra musical reside em convenções culturais que permitem a formação de uma rede de escutas sincrônica e diacrônica. Sincrônica, pois uma obra erudita ou uma canção popular têm um tempo/espaço de nascimento e circulação original, caso contrário não seria uma fonte histórica. Diacrônica, pois como património cultural, ela será transmitida ao longo do tempo, sob o rótulo de obra-prima ou obra medíocre, e suas releituras poderão dar-lhe novos e inusitados sentidos ideológicos e significados socioculturais (NAPOLITANO in PINSKY, 2008, p. 259).

Da mesma forma, o autor nos mostra os diferentes formatos disponíveis para pesquisa musical, como os discos de 45 rpm, e o compact disc, bem como relata a importância da internet como ferramenta auxiliar na busca de dados de catalogação das obras musicais, como também no que diz respeito à filmografia e outras informações de relevância para o historiador que se propuser a adentrar essa seara.

Recomendado não só para o professor de história ou historiador, como também para todo aquele que tem o cinema, a música ou mesmo a televisão como campo de seu interesse pessoal.

NAPOLITANO, Marcos. Fontes audiovisuais:a história depois do papel. In: PINSKY, Carla Bessanezi (org.). Fontes históricas. São Paulo : Contexto, 2008.

terça-feira, 8 de novembro de 2016

OS PERIÓDICOS COMO FONTE DE PESQUISA  HISTÓRICA



Segundo Tânia de Luca, até a chegada da Família Real em 1808, as tipografias eram proibidas no Brasil, e  até a década de 1970 era raro uma abordagem historiográfica sobre os periódicos. Os próprios Annales, surgidos a partir da década de 1930, não haviam dado ainda espaço adequado à análise histórica dos impressos. Esta posição só seria alterada nas últimas décadas do século XX com o advento da Nova História e a importância agora dedicada à história imediata e ao “retorno” da história política.

De acordo com a autora, a escola positivista exerceu enorme influência, no que diz respeito ao desprestígio vivido pelos jornais e sua importância histórica, citando Gilberto Freyre como pioneiro inconteste, com seu trabalho de estudo sobre anúncios de jornais do século XIX, e segue relatando que somente em 1973 o jornal tornou-se objeto de estudo histórico por meio da tese de doutoramento de Arnaldo Contier, Imprensa e ideologia em São Paulo, abrindo caminho para outros trabalhos com mesmo foco de análise.


A imprensa, segundo Luca, tornou-se uma fonte privilegiada para o estudo do movimento operário entre as décadas de 1970 e 1990. Não se tratava de jornais de cunho empresarial, mas de periódicos feitos não por profissionais, mas militantes abnegados, impressos em pequenas oficinas e sem receita. De acordo com a autora, a imprensa operária, por meio de seus jornais e panfletos, que se constituíam em instrumento essencial de politização e arregimentação, tem muito a nos mostrar sobre suas correntes ideológicas, greves, mobilizações e conflitos, condições de vida e trabalho, repressão e relacionamento com empregadores.

A mesma importância teve a imprensa para as pesquisas acerca da imigração, intensificada a partir das últimas décadas do século XIX, com o propósito de alimentar a mão de obra nas regiões cafeeiras e no Sul do país. Além disso, as transformações conhecidas por algumas capitais brasileiras nas décadas iniciais do século XX foram, em várias investigações, analisados por intermédio da imprensa.

Luca pede um olhar especial sobre as revistas. Surgidas em 1900, sendo chamadas de revistas ilustradas ou de variedades, essas publicações vinham recheadas de  acontecimentos sociais, crônicas, poesias, humor, conselhos médicos, moda e regras de etiqueta, notas policiais, jogos, charadas e literatura para crianças, tais publicações forneciam um cardápio extenso, que procurava agradar a diferentes leitores, com o objetivo de se ampliar ao máximo os possíveis interessados.

Dentro deste contexto, vários estudos foram realizados com o objetivo de se analisar, por exemplo, as relações estabelecidas entre homem-mulher, ou a construção de estereótipos construídos sobre a mulher “falada”, evidenciando a importância de tal meio de comunicação no estudo histórico e social de décadas passadas.

Outro fato importante, em relação aos periódicos como fonte histórica, segundo a autora, é o papel desempenhado por jornais e revistas em regimes autoritários, como o Estado Novo e a ditadura militar. Seja como difusores dos valores defendidos pelo Estado, seja como vítimas da censura. Ainda no século XIX o que mais conseguiria caracterizar a imprensa brasileira era seu caráter doutrinário e a defesa apaixonada de ideias, além de um grupo de leitores diminuto, uma vez que o país detinha um enorme contingente de analfabetos.

De qualquer forma, a imprensa teve papel relevante em momentos políticos decisivos em nosso país, como a Independência, a abdicação de D. Pedro I, a abolição e a proclamação da República. O que a faz instrumento importante para o estudo, a análise historiográfica, colocando os jornais e revistas, os periódicos, de uma forma geral, como ferramenta de extremo valor, para que o historiador possa desbravar o passado e dar seu ponto de vista, imprimindo sua visão sobre determinado assunto em dado momento da História.

LUCA, Tânia Regina de. História dos, nos e por meio dos periódicos. In: PINSKY, Carla (org). Fontes históricas. São Paulo: Contexto, 2008. p. 111-142.

segunda-feira, 31 de outubro de 2016


CRONOS E A HISTÓRIA




José Carlos Reis, no primeiro capítulo de seu livro Teoria & história, intitulado O tempo histórico como “representação”, propõe uma discussão sobre o tempo histórico e levanta uma série de pontos de vista e análises sobre as diferenças de concepções dentro da historiografia e da linearidade temporal da vida humana.

O tempo está na natureza ou está na consciência? Como podemos definir presente, passado e futuro? Com essas indagações, Reis procura inculcar em nossas mentes a importância da definição de temporalidade, e de lá tentar extrair suas definições.

De acordo com o autor, o relógio mecânico surgiu na vida do homem entre 1300 e 1650, mudando completamente a forma como as sociedades começaram a se relacionar com o tempo, e filosofa quando nos diz que o tempo  seria a constante redução do ser ao nada, pela descontinuação e sucessão do ser. O próprio Aristóteles entra na discussão. Afinal, como falarmos de um ser que é e não é? Ou, que foi e não é mais? Não seria essa a própria essência do tempo?


E, talvez a mais importante incógnita, quando termina o passado e quando começa o presente? Segundo o autor, o passado é a única dimensão que pode ser objeto de conhecimento, não sendo mais a negação da existência, mas a afirmação do ser. O presente é o ponto de partida de toda representação do tempo, dividindo-o em passado e futuro, sendo este último o portador tanto do medo da finitude, quanto da esperança de ser.

Assim, poderíamos dizer que todo trabalho de história é uma organização temporal, com seus recortes, ritmos, periodizações e sequências. Narrar uma história não é (re)vivê-la, mas, uma operação cognitiva, que exige a teorização. Nessa perspectiva, o tempo histórico se confunde com a dimensão do passado das sociedades humanas e a história é “o estudo dos fatos humanos do passado”.

Os Annales combateram a historiografia tradicional sustentando que o passado e o presente se relacionam determinando-se reciprocamente. Assim, o historiador deve partir do presente ao passado e retornar do passado ao presente. Por seu método retrospectivo, o passado só é compreensível se o historiador for até ele com uma problematização suscitada pela experiência presente e bem formulada racionalmente.

Com isso, surge-nos o termo “tempo-calendário”, indispensável à vida dos indivíduos e das sociedades e essencial ao historiador, detentor de um evento fundador, que abre uma nova época, a partir do qual se cortam e se datam os eventos. Desse ponto pode-se percorrer o tempo em duas direções: do presente ao passado e do passado ao presente. O tempo-calendário não é só astronômico, porque o ponto inicial é um evento que teria rompido com uma época e aberto outra. No Ocidente, este evento divisor de épocas foi o surgimento de Cristo e todos os eventos são “datados”, inseridos no tempo-calendário, acompanhados da informação a.C. ou d.C.

Além disso, as datas não podem deixar de ser sempre as mesmas para qualquer historiador, pois a datação em história é realista e consensual. Assim, o primeiro esforço do historiador é produzir uma sucessão rigorosa dos eventos, onde, o conhecimento das datas supõe a compreensão de sucessões e  sincronismos.

Segundo Reis, o tempo histórico é representação intelectual, por não ser uma reconstituição dos fatos tal como aconteceram; e uma representação cultural, por ser fruto de uma época determinada. Daí partimos para as diferentes representações temporais de acordo com algumas concepções. Os gregos acreditavam no movimento circular, contínuo e infinito, não revelando o tempo, mas a eternidade, de onde puderam criar a história porque viram que alguns aspectos dessa experiência temporal tinham direito à eternidade e poderiam ser repetidos. Diferentemente, os judeus deram ao tempo a imagem de uma linha, onde, no futuro haveria a salvação e o fim do sofrimento, com o retorno do messias. A partir do século XVIII, a profecia cristã torna-se utopia. A ideia do progresso generaliza-se A esperança escatológica cede lugar à confiança no futuro terrestre. O apocalipse cede lugar à utopia, a modernidade rompe com o passado e se abre para o futuro.

Reis nos conta que o grande evento que definiu nossa época ocorreu em 1989, com a queda do muro de Berlim, representando o fim do projeto comunista. Com isso, vivemos uma época veloz, entretanto, com pretensões de eternidade, com a busca vertiginosa de inovações e lucro e com a tragédia do desemprego, sem futuro para os homens.

Em nossos dias, o presente deseja se olhar como se fosse já histórico e volta-se sobre si mesmo para controlar a imagem que o futuro lançará sobre ele quando for passado. Como exemplo, Reis cita o 11 de Setembro, que se dá a ver enquanto ocorre, acontecendo sob as câmeras e os olhares do mundo todo. O presente fazendo-se história para o futuro.

Propondo uma reflexão sobre a conceituação e sua relação com a história, Reis lança luz sobre um tema tão complexo e misterioso, que faz o homem se por a pensar desde muito, em um amálgama de história e filosofia, que extrapola conceitos concretos. 

REIS, José Carlos. O tempo histórico como “representação”. In:____ Teoria & história : tempo histórico, história do pensamento histórico ocidental e pensamento brasileiro. Rio de Janeiro: FGV, 2012.

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

DO GOLPE À DITADURA


                                                                                       
Carlos Fico, doutor em história social (USP), é uma das maiores autoridades sobre o regime militar brasileiro e autor de vários trabalhos sobre o tema. Em seu livro O golpe de 64, Fico faz emergir dois pontos de grande importância sobre o período. O primeiro, é que o golpe de 1964 foi de origem civil-militar e não apenas militar, pois contou com o apoio de grande parcela da sociedade civil, que queria, a qualquer preço, a saída de João Goulart da Presidência da República. O segundo ponto nos fala sobre o fato de que o golpe não pressupunha a ditadura que se seguiu, ou seja, o remédio a ser utilizado contra a doença teve reações adversas amargas. O que começou com um Golpe de Estado, acabou por transformar-se em ditadura.

Evento-chave da história recente do Brasil, o golpe de 1964 teve grande apoio da Igreja, parte da imprensa e de outros setores da sociedade, que anos depois viriam a se arrepender, e engrossariam as fileiras contra o regime militar. O golpe não foi uma iniciativa de militares desarvorados, pois contou, inclusive, com o apoio financeiro e logístico do governo norte-americano.

Fico nos mostra o panorama político antecedente ao golpe. Jânio Quadros, que havia sido eleito presidente da República em 1960, enviou o seu vice-presidente, João Goulart, para uma visita à China, com o objetivo de (com seu vice-presidente o mais longe possível, literalmente) encenar uma renúncia teatral e assim, voltar ao poder nos braços do povo, angariando mais força política.

O plano irresponsável de Jânio Quadros jogou o Brasil em uma crise política imensa. Sua renúncia foi prontamente aceita pelo Congresso Nacional e os comandantes das Forças Armadas resolveram não aceitar João Goulart como presidente da nação, por acreditarem ser ele comunista. Ideia que o autor não concorda, por ser João Goulart proprietário de grandes extensões de terra no Rio Grande do Sul.


Nesse ínterim, o governador gaúcho Leonel Brizola lançava a “Rede da Legalidade”, campanha que utilizava, por meio de pronunciamentos pelo rádio, a defesa pelo direito do vice-presidente assumir a Presidência da República.

Com o país vivendo um verdadeiro caos político, chegou-se a uma solução inusitada. O país adotaria o sistema parlamentarista, que limitaria os poderes do presidente da República. Entretanto, em 6 de janeiro de 1963 foi realizado um plebisto tendo como resultado o retorno do sistema presidencialista.

João Goulart vinha sendo sistematicamente atacado por campanhas empreendidas pelo Ipes e Ibad, duas associações de empresários que tinham por objetivo desestabilizar o governo, que segundo Fico, recebiam, inclusive, recursos financeiros do governo norte-americano para tal. De acordo com Fico, depois de sair vitorioso no plebiscito de 1963, Goulart decidiu-se a favor de uma estratégia desastrada e se envolveu em duas situações cruciais para a sua deposição: o famoso comício da Central do Brasil, de 13 de março de 1964, e seu discurso no Automóvel Club do Brasil, no dia 29. Este último, uma festa realizada pela Associação do Suboficiais e Sargentos da Polícia Militar, que foi entendida pelos oficiais como se o presidente estivesse prestigiando a quebra da hierarquia. Ou seja, um desastre, pois lá seria seu último discurso como presidente da República.

Fico expõe em seu livro a relação da “Marcha Pela Família” com a “Cruzada do Rosário”, movimento criado em 1945, nos Estados Unidos, pelo padre irlandês Patrick Peyton, além de nos descrever a importância do discurso de Goulart no desagravo de lideranças religiosas para a origem das “Marchas Pela Família”.

De acordo com o autor, os conspiradores acreditavam que João Goulart aproveitaria o apoio que tinha dos sindicatos e, por meio de um golpe de Estado ou de algumas medidas de força sucessivas, instauraria um regime político inspirado no peronismo argentino, no qual prevaleceria a vontade dos sindicatos, instaurando, posteriormente, um regime decididamente comunista na Brasil.

Em uma decisão pessoal, que inclusive, atropelou outros chefes militares, o general Olympio Mourão Filho, deflagrou o golpe. Suas tropas iniciaram o deslocamento em direção ao Rio de Janeiro, onde todos os conspiradores esperavam grande resistência da parte de Goulart. Fato que não ocorreu. Por outro lado, o governo dos Estados Unidos estava pronto para dar apoio militar e logístico aos conspiradores, o que depois se mostrou desnecessário, por não haver resistência por parte do presidente Goulart. Rapidamente, ainda de madrugada e no escuro, o Congresso Nacional declarou vacância do cargo de presidente da República e empossa Ranieri Mazzilli, o presidente da câmara, como novo presidente do Brasil.

Nas primeiras horas do dia, Costa e Silva, tentando manter-se como homem forte do novo regime, reuniu-se com os governadores no Ministério da Guerra. Esse fato para Fico é de extrema importância, pois aí dá-se a passagem do golpe civil-militar à ditadura militar. Lacerda, governador da Guanabara, tentava convencer Costa e Silva da necessidade de imediata definição e o general o interrompia, dizendo não ser oportuno fazer-se eleição naquele momento. Além disso, o livro nos mostra como foi planejada a criação dos Atos Institucionais e a tentativa de dar legalidade ao golpe que mergulhou o nosso país em um de seus mais tenebrosos capítulos.

O golpe de 64 é leitura obrigatória para aqueles que desejam se aprofundar sobre o tema, ou mesmo aqueles que buscam conhecer um pouco mais sobre a história do Brasil.

FICO, Carlos. O golpe de 64: momentos decisivos. Rio de Janeiro: FGV, 2015.

segunda-feira, 17 de outubro de 2016

HISTÓRIA E ROCK NO BRASIL DOS ANOS 1980.

A música pode ser uma ferramenta historiográfica de extrema importância para que possamos entender melhor o contexto social, cultural e, sobretudo, político de determinado recorte histórico. Prova disso é a grande quantidade de trabalhos acadêmicos relacionados à música, como se pode ver nas referências abaixo.



Em nosso país, por exemplo, na década de 1980, o Brasil vivia os últimos momentos da ditadura militar. O regime já mostrava sinais de cansaço e o modelo econômico proposto por Delfim Neto já não era capaz de influenciar a opinião pública, muito pelo contrário, vivíamos uma das piores crises econômicas de nossa história. O “milagre econômico” dos anos 1970 tinha dado lugar à “década perdida” dos 1980. As manchetes dos jornais estampavam em letras garrafais: inflação, desemprego e recessão.

Na Europa, especialmente na Inglaterra, os jovens haviam rompido com as convenções sociais ao darem surgimento ao movimento punk, onde a ordem era  “do it yourself”, ou faça você mesmo, com músicas de dois ou três acordes criadas e executadas por músicos que não sabiam tocar e cantores que não sabiam cantar. O que valia mesmo era fazer o que se tinha vontade, mesmo sem talento ou conhecimento erudito para tal.

Esse movimento vinha de encontro ao virtuosismo característico do rock progressivo que reinava na época, com acordes super elaborados e canções longas que criavam um clima intimista, onde o público absorvia o som, mas não participava. Diferente do punk, onde não havia virtuoses, pois praticamente ninguém sabia tocar nada e o público interagia completamente com os roqueiros, subindo ao palco e transformando as apresentações em total balbúrdia.


Óbvio que esse movimento daria frutos em terras tropicais. E deu. A juventude bem nascida, “burguesa”, que tinha acesso a discos e revistas, começou a incorporar o espírito punk, e, mesmo sem saber o que era um lá maior sustenido, começou a formar grupos de rock entre os colegas do colégio e a tocar nas garagens dos condomínios.

A repressão política e os problemas sociais seriam o tema mais comum dessa nova música que começava a se desenvolver no Brasil. Além disso, o pessimismo diante da incerteza do futuro, as frustrações com a família e o protesto contra o Estado formavam a via comum das músicas da época, através de bandas que surgiam principalmente em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, capital política de onde vieram Plebe Rude e Aborto Elétrico.

Em 1985, a banda Paralamas do Sucesso já era detentora de um certo reconhecimento nacional. Seu vocalista, Herbert Viana foi procurado pelos integrantes da Plebe Rude, banda de forte influência punk. Desse encontro surgiu “O Concreto já Rachou”, um marco no rock brasileiro, que entre outros questionamentos, com reminiscências de João Cabral de Melo Neto, perguntava:

Com tanta riqueza por aí
onde é que está,
cadê sua fração?               

A  banda Aborto Elétrico, que tinha como vocalista um tal de Renato Russo, se fragmentou e deu origem às bandas Legião Urbana e Capital Inicial. As bandas originadas da rupura do Aborto Elétrico mantiveram o discurso panfletário contra o Estado opressor, que caminhava para os seus últimos dias. Logo a ditadura militar se extinguiria e veríamos surgir a Nova República.

Mas, isso é uma outra história.

Para aprender mais, lendo:
RIBEIRO, Júlio Naves. Lugar nenhum ou bora bora? São Paulo: Annabele, 2009.
RAMOS, Eliana Batista. Rock dos anos 80: A construção de uma alternativa de contestação juvenil. 2010. Dissertação para obtenção do título de mestre em História Social. PUC: São Paulo. 2010.
PRADO, Gustavo dos Santos. A juventude dos anos 80 em ação: música, rock e crítica aos valores modernos. revista Desenredos - ISSN 2175-3903 - ano III - número 10 - teresina - piauí – julho agosto setembro de 2011
ROCHEDO, Aline do Carmo. Os filhos da revolução: A juventude urbana e o rock brasileiro dos anos 1980. 2011. Dissertação para obtenção do título de mestre em História Social. UFF: Niterói. 2011.
OSTERNO, Maria do Livramento Rios. A canção engajada no anos 80: O rock não errou. 2009. Dissertação para obtenção do título de mestre em Linguística. UFC: Fortaleza. 2009.
RANGEL, Carlos Roberto Rangel; TRINDADE, Luane Nunes. Rock: Cultura política e movimentos sociais. 2013.
GAMA , André de Araújo; MACIE, Elisângela. História e Música: um Brasil dos anos 80. 2010. http://www.webartigos.com/artigos/historia-e-musica-um-brasil-dos-anos-80/60704/

Para aprender mais, ouvindo no volume máximo:
LEGIÃO URBANA. Legião Urbana. produtor: Mayrton Bahia. EMI, 1985. LP
PLEBE RUDE. O concreto já rachou. produtor: Herbert Vianna. EMI, 1986. LP.
CAPITAL INICIAL. Capital Inicial. produtor: Bozo Barreti. Polygram, 1986. LP.

Para aprender mais, assistindo:
Somos tão jovens. Direção: Antônio Carlos de Fontoura. Brasil: Imagem Filmes, 2013. 104 min.

terça-feira, 11 de outubro de 2016

HISTÓRIA, ESCRITA E MATEMÁTICA


Desde os tempos chamados pré-históricos, o homem tem a necessidade da matemática para contabilizar seus rebanhos e sua produção agrícola. O surgimento do excedente e sua comercialização entre as sociedades só fez potencializar a necessidade de uma contabilidade arcaica.


Partindo dessa realidade, os povos da mesopotâmia desenvolveram o sistema de tokens, objetos de argila, como fichas, que apresentavam diversos formatos, como cones, esferas, discos e cilindros. Essas fichas, ou tokens, serviam às necessidades da economia, pois permitiam manter o controle sobre a produção agrícola, e foram expandidos, na fase urbana, para controlar também os bens manufaturados.

Armazenados em invólucros de argila, como uma bola oca, dentro dos quais eles eram guardados e fechados, chamados bulae, os invólucros escondiam os tokens e em sua superfície eram impressas as formas contidas em seu interior. O número de unidades de um produto era expresso pelo número correspondente de marcas na superfície. Uma bola contendo cinco discos, por exemplo, possuía cinco marcas de discos na superfície, podendo ser produzidas, inclusive, por meio da pressão dos próprios tokens contra a argila úmida.


A substituição de tokens por sinais foi o primeiro passo para a escrita, e serviu para o desenvolvimento do comércio e da contabilidade daquelas sociedades. Mais tarde, estes povos trariam mais uma grande contribuição para o desenvolvimento da escrita e matemática: o sistema sexagesimal.

Diferente dos árabes e indianos, que idealizaram o sistema decimal, os sumérios criaram o sistema sexagesimal, que faz parte do nosso cotidiano. Basta dar uma olhada em seu relógio. Uma hora contém 60 minutos e um minuto contém 60 segundos.

No sistema sexagesimal, utilizava-se as três falanges que temos em cada um dos dedos para efetuar a contagem, excetuando-se o polegar, que  servia como auxiliar de contagem. Em uma mão contaríamos de 1 a 12 (utilizando-se das falanges), e na outra mão, seu múltiplo, ou seja, 12, 24, 48 e 60 (utilizando-se os dedos).

Com isso, podemos afirmar que da necessidade de uma contabilidade arcaica para a criação da escrita foi questão de tempo, pois percebeu-se que ao invés de se utilizar dos tokens dentro do bulae, seria mais prático fazer anotações em tabletes de argila, surgindo daí a escrita, os escribas e todo o complexo sistema que se faria, posteriormente, necessário.

Para aprender mais:

ROQUE, Tatiana. História da matemática Uma visão crítica, desfazendo mitos e lendas. São Paulo: Zahar. 2010.


SANTOS, Anderson Flávio dos. Sistemas de Numeração Posicionais e não Posicionais. Dissertação para obtenção do título de Mestre em Matemática. UNESP: São José do Rio Preto. 2014


sábado, 24 de setembro de 2016

HITLER: UM AMANTE DAS ARTES


Um dos maiores assassinos da história da humanidade, Adolf Hitler, nutria uma incrível admiração pela arte. A pintura, a música e a arquitetura dominavam grande parte do espaço destinado à suas paixões.

Quando jovem, Hitler tentou, por duas vezes (em 1907 e 1908), ingressar na Academia de Belas Artes de Viena, sendo rejeitado em ambas tentativas, por não apresentar talento suficiente para fazer parte daquela respeitada instituição. À época, com 18 anos de idade e órfão, Hitler passou a ganhar a vida com a pintura, vendendo seus quadros a turistas.

Com a explosão da Primeira Guerra Mundial, Hitler abandonou seus pincéis e se juntou ao exército da Alemanha, mas sempre com o desejo de ser um grande pintor e dedicar-se às telas.


Com o fim da Grande Guerra e o início de sua ascensão política, Hitler deu vazão a suas aspirações artísticas, assumindo-se como o grande responsável pela criação da simbologia do Partido Nacional Socialista, sendo de sua autoria, em 1923, a insígnia do partido. Além disso, criou uniformes, bandeiras e estandartes para o partido.

Artistas frustrados eram uma constante no comando do Terceiro Reich. Goebbels, Rosenberg e Schwerin, nutriam aspiração pela literatura, poesia e pinturaDe qualquer forma, com o poder à mão, o comando nazista tentou levar seu conceito de arte ao povo alemão. 

Em 1933 uma série de exposições, intituladas “Arte Degenerada”, chamava a atenção para a ameaça do estilo de arte “bolchevique”. Tal arte deveria ser evitada por se tratar de “depravação espiritual e intelectual”. Além disso, as obras dos artistas modernos mostravam sinais de doença mental de seus criadores. Tudo o que os nazistas queriam erradicar da Alemanha. Para o advento da eugenia foi um passo bem curto.

Com a chegada da Segunda Guerra Mundial, as invasões do exército alemão eram frequentemente seguidas de pilhagem, em especial de obras de arte, que seriam adicionadas à coleção do Fuhrer. Em Nuremberg, após o término da Segunda Guera Mundial, foi descoberto um bunker subterrâneo repleto de quadros, vestimentas e adornos, escondidos pelo comando nazista. Entre os quais as joias do Sacro Império Romano, fixação que Hitler dividia com Napoleão Bonaparte.

O que nos resta é tentar criar conjecturas a respeito do passado e seu efeito sobre o futuro. Se Adolf Hitler tivesse sido aceito na Academia de Belas Artes de Viena, provavelmente a História teria seguido outro rumo.

Para saber mais:
ARQUITETURA DA DESTRUIÇÃO. Direção: Peter Cohen. Suécia: Cult, 1992. DVD, 121 minutos.

KIRKPATRICK, Sidney. As relíquia sagradas de Hitler. Rio de Janeiro: Sextante, 2011.

sábado, 17 de setembro de 2016

MESOPOTÂMIA: LAR DO LAISSEZ-FAIRE


A região da mesopotâmia (entre os rios Tigre e Eufrates) é considerada um dos berços da civilização, pois foi nessa região que, segundo pesquisadores, iniciou-se o processo de sedentarização do homem.

Os grupos humanos, que vagavam à procura de alimentos para sua subsistência, encontraram na região “entre rios” (daí o termo Mesopotâmia), uma região propícia para o desenvolvimento da agricultura. Claro que isso não aconteceu com um passe de mágica. Foi necessário uma boa dose de paciência, tempo, erros e acertos para que o homem dominasse as técnicas de controle do fluxo das águas dos rios, que apresentavam períodos de baixa e alta vazão. Além disso, havia a necessidade da utilização correta de sementes, aproveitamento de canais e uma série de problemas que foram sendo contornados graças à persistência e perseverança de nossos antepassados.


Com o domínio das técnicas agrícolas, surgiu o excedente de produção. O homem, já fixado à terra, começava a produzir mais do que o suficiente para sua subsistência e com isso surgiu a necessidade de se buscar um destino para sua produção. Uma parte a ser armazenada para o período de entressafra e o restante a ser comercializado, inicialmente por meio de escambo, com outros grupos humanos. O que não se imaginava é que o homem estava dando inicio, entre outras coisas, ao comércio, palavra derivada do latim “commerciu” que tem significação de permutação, troca, compra e venda.

A pujança comercial que se iniciava traria para o homem da mesopotâmia as condições perfeitas para uma interação cada vez mais próspera entre os variados povos da região, com a utilização de padrões de moeda e criação de especializações.

O homem da Mesopotâmia jamais poderia adivinhar que sua iniciativa de se fixar em determinado lugar traria tantas mudanças dali pra frente, pois assim começaram a surgir aglomerados humanos que posteriormente se transformariam em cidades. Além disso, surgia também a necessidade de criação das profissões.

O comércio em si, foi altamente revolucionário, pois o escambo inicial deu lugar à moeda e levou o homem à contabilidade e às futuras ideias sobre a economia. Se não fosse pela iniciativa corajosa e desbravadora do homem mesopotâmico não teríamos tido a evolução das ideias de Adam Smith, Friedrich Hayek ou John Keynes.

O homem mesopotâmico, preocupado apenas em sobreviver, acabou por transformar o mundo em que vivemos. Com sua despretensiosa atitude, acabou por ditar as regras do que seria o “mundo civilizado” através de sua força econômica, política e religiosa. O controle das forças naturais deram o pontapé inicial para o domínio do planeta e fez com que a humanidade ocupasse lugar de destaque no nosso mundo.

O resto é História.

Para ler mais:

PINSKY, Jaime. As Primeiras CivilizaçõesSão Paulo: Atual: 1994


sábado, 10 de setembro de 2016

1964: ENTRE METRALHADORAS E TANQUES.


Na noite do dia 30 de março de 1964, o então presidente João Goulart era esperado no salão do Automóvel Clube, no Rio de Janeiro, onde entrou sob grande euforia dos que o esperavam ansiosamente, em sua maioria suboficiais das forças armadas.



Mesmo contra a vontade do deputado Tancredo Neves, líder do governo na Câmara, Goulart estava decidido a falar ao público e incendiar o local com seu discurso em prol das reformas sociais e contra o Congresso e os militares de alta patente, em cerimônia transmitida por rádio e televisão.

Seus passos estavam sendo acompanhados pelas forças oposicionistas, bem como pelo governo norte-americano. A Casa Branca estava a par de todos os movimentos do presidente da República e quando encerrou seu discurso, o senador Ernâni do Amaral Peixoto decretou: “O Jango não é mais presidente da República”.

Em Juiz de Fora, o general Mourão Filho estava decidido a levar suas tropas em direção ao Rio de Janeiro para derrubar o governo. Tinha pressa, pois estava a um passo da compulsória. Com poucos meses de serviço na ativa, em breve estaria aposentado.

Aproveitando o gancho, no Rio de Janeiro, o general Arthur da Costa e Silva liderava outro grupo de militares revoltosos. Em um mundo sem WhatsApp, as notícias sobre os grupos militares que se levantavam contra o governo vinham incompletas e incertas.

Do Rio de Janeiro partiu  o Grupo de Obuses, liderado pelo capitão Carlos Alberto Brilhante Ustra, que foi enviado para combater o grupo do general Mourão Filho. Uma péssima escolha das forças legalistas, pois o capitão Ustra era partidário da ideia de depor João Goulart, e ao invés de combater Mourão Filho, aliou-se a ele.

O general Amaury Kruel, comandante do 2º Exército, com sede em São Paulo, em um telefonema, pediu ao presidente Goulart que rompesse com a esquerda, como única saída para o fim da crise que se instalara. Goulart não concordou com os termos e Kruel, sem ver o que fazer, acabou por engrossar as fileiras contrárias ao governo.

Apesar de ter criado um “dispositivo” militar, que garantisse a lealdade das Forças Armadas, o presidente João Goulart, que inicialmente não acreditava nas notícias que chegavam sobre o levante que vinha de Minas Gerais, resolveu partir para Brasília, onde achava que conseguiria erguer um grupo de resistência. Ledo engano. À essa altura, quem se dispunha a defender Goulart no poder não sabia para quê ou em benefício de quem.

De Brasília, Goulart partiu para Porto Alegre. Enquanto isso, em Brasília, em uma sessão conturbada, o Congresso declarava a vacância da presidência da República, sem que o presidente estivesse sequer ausente do país, como determinava a constituição.

Com isso abria-se o caminho para o início do regime militar no Brasil, sem que um único disparo sequer fosse dado, levando o país a um dos mais obscuros capítulos de sua história.

Para ler mais:

GASPARI, Elio. A ditadura envergonhada. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Castelo a Tancredo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.

VILLA, Marco Antonio. Ditadura à brasileira – 1964-1985: A democracia golpeada à esquerda e à direita. São Paulo: LeYa, 2014.